Nas mãos da iniciativa privada, o contrato de esgotamento sanitário em São João de Meriti prevê atingir índice de atendimento de 90% até julho de 2020, gerando expectativas quanto aos resultados da primeira concessão privada fora da capital e de Niterói, no âmbito da Região Metropolitana do Rio.
A divisão das tarefas no município ficou assim: a concessionária Águas de Meriti é responsável pela operação, manutenção e ampliação do sistema de coleta e afastamento de esgoto e pela gestão comercial do pagamento de ambas as tarifas. O abastecimento hídrico e o tratamento do resíduo coletado, por sua vez, continuam com a Cedae. A drenagem pluvial é atribuição da prefeitura.
Como já relatado em entrevista com o Movimento Pró-Saneamento e Meio Ambiente do Parque Araruama (MPS), a concessão é marcada pela falta de transparência. Ouvimos os diretores da Águas de Meriti e o prefeito Sandro Matos, que nos atendeu quase quatro meses depois da primeira de muitas solicitações de entrevista e pedidos de cópia dos documentos pela Lei de Acesso à Informação (LAI).
Um elemento que dificulta o controle social é a falta de um órgão regulador. O contrato já deveria estar sendo fiscalizado há quase um ano pela Agenersa, agência estadual de energia e saneamento básico, mas até agora o monitoramento não saiu do papel. “A gente depende de um documento que está na Casa Civil aguardando liberação do governador. A prefeitura só pode pedir o convênio [com a Agenersa] depois que chegar essa documentação da Casa Civil”, explica Matos.
O documento em questão (veja aqui) delimita as atribuições de cada parte envolvida no sistema de água e esgoto. Pela lei estadual, ele deve passar primeiro e ser aprovado pela Casa Civil, que confirma a informação fornecida pelo prefeito da cidade. A demora nos órgãos de governo faz com que a prestação do serviço, não esteja compatível com a Lei Federal do Saneamento (nº 11.445/2007), que estabelece a obrigatoriedade da regulação.
A concessionária privada demonstra interesse em ser fiscalizada, para que a agência cumpra seu papel de manter o equilíbrio da prestação dos serviços no município. Entre as atribuições da Agência estão cobrar da Cedae os investimentos prometidos no sistema de água e intermediar eventuais conflitos entre as partes.
Considerando quem tem registro de água no município, a inadimplência atual da Cedae chega a 65%, segundo a Águas de Meriti, empresa que passará a fazer a gestão das contas. Cerca de 20% dos imóveis não teriam registro, mas todos esses números estão sendo conferidos. Segundo o censo de 2010 do IBGE, São João possuía naquele ano 138.267 domicílios. De acordo com o Cedae, 65.176 imóveis estão cadastrados, incluindo estabelecimentos comerciais e industriais.
Recadastramentos técnico e comercial
A atuação da Águas de Meriti teve início no segundo semestre de 2015. A empresa está desenvolvendo este ano o mapeamento técnico sobre o estado da rede separadora de esgoto, instalada nos anos 1990 pelo antigo PDBG, e o recadastramento comercial, para atualizar as informações dos domicílios e estabelecimentos públicos e privados conectados ou não.
Leia aqui a história da concessão em São João de Meriti
Os dois trabalhos correm em paralelo, começando pelos bairros Coelho da Rocha e Éden, porque, segundo os diretores, é onde a rede está mais estruturada e interligada ao interceptor da Cedae. Serão esses os moradores e comerciantes os primeiros a receberem a cobrança da taxa de esgoto, além da água. Os dois bairros concentram cerca de 100 mil habitantes, o que equivale a 20% da população da cidade.
Como já aplicado pela Cedae, o valor da tarifa será o mesmo referente à água, que em São João está em R$ 38 para cada serviço, totalizando R$ 76 para imóveis residenciais que consomem até 15 m3 mensais. Esse volume é o dobro do que estipula a Organização Mundial da Saúde (OMS) para atender as necessidades de higiene de uma família de quatro pessoas. A adoção de tarifa social ainda está em estudo.
De acordo com o prefeito, que deixará o cargo em 31 de dezembro após oito anos, a cobrança pelo esgoto só poderá ocorrer após uma auditoria para atestar a interligação da tubulação. A concessão prevê que os rejeitos sejam levados até as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) da Pavuna e de Sarapuí, administradas pela Cedae
Do total de R$ 337 milhões previstos em investimentos pela Águas de Meriti nos 30 anos de contrato, R$ 220 milhões serão aplicados nesses cinco primeiros anos, em obras de ampliação da rede de esgoto e melhorias nos serviços de atendimento ao consumidor. Nos estudos prévios, foram previstos de seis a oito elevatórias para levar o rejeito até as ETEs, mas só com a conclusão do mapeamento é que a empresa poderá ter certeza.
Como a rede coletora foi instalada há mais de 20 anos, apenas com a conclusão do mapeamento será possível desenhar um plano de investimentos preciso. Não se sabe ainda, por exemplo, a capacidade da rede separadora do PDBG. O contrato prevê a recuperação de toda a tubulação, mas a empresa não descarta fazer uso da rede de drenagem para transportar o esgoto às ETEs – sistema conhecido como de tempo seco ou unitário.
“Tudo depende do mapeamento, mas existe a possibilidade de ter de fazer alguma coisa em tempo seco também. Se você tem o sistema unitário [rede de drenagem] na rua, com os imóveis todos ligados ali, é ilusão achar que todo mundo vai passar para a sua [rede separativa]”, esclarece Justino Brunelli Júnior, um dos diretores executivos da Águas de Meriti.
Segundo o Plano Municipal de Saneamento, São João conta com cerca de 350 km de rede de coleta de esgoto. No balanço mais recente do levantamento sobre o estado dessas tubulações, em outubro, 58% já havia sido vistoriada. Destas, em aproximadamente 60% foi detectado algum tipo de obstrução, parcial ou total (assoreamento). Além de entupimentos por pedras, lixo e areia, foram encontrados trechos fora dos padrões técnicos, em terrenos particulares e rede que não segue o traçado registrado nas plantas públicas registradas.
Taxa de atendimento induz a erro de interpretação
Denis Grassi, também diretor da concessionária, sabe que a empresa terá pela frente um árduo trabalho para convencer os moradores de que a conexão à rede separadora é o melhor para elas e para a cidade. Aí reside um dos problemas práticos comuns a boa parte das concessões de saneamento: os contratos não preveem os custo de conectar cada casa ou economia (família residente num mesmo domicílio) à tubulação; o acordo envolve, na maioria das vezes, apenas a passagem dos canos nas ruas, ficando o ônus da conexão a cargo dos moradores. Muitas vezes, por isso, temos a rede construída e a estação para o tratamento, mas fica faltando os últimos elos, sem os quais todo o sistema pode ficar inutilizado.
Quando concessionárias e poder público falam em taxa de atendimento referem-se ao percentual de moradores de uma determinada cidade a viver numa rua onde passa tubulação capaz de levar o esgoto à rede. Nesses casos, torna-se possível a ligação, mas muitos não a fazem. Reportagem do projeto Colabora revelou recentemente que na Zona Oeste do Rio, onde a prestação do serviço de coleta e tratamento é feito pela Foz Água 5, apenas 30% dos moradores atendidos se conectaram à rede. A Companhia presta o serviço de interligação, cujo custo varia de acordo com o escopo da obra.
Em Meriti, como as contas serão uma só, em caso de inadimplência, o cidadão pode ter o abastecimento de água cortado. Para evitar essa situação, a Águas de Meriti prevê uma série de medidas, como serviços de vistoria, sempre que for detectado consumo elevado para os padrões de uma determinada residência. “Vamos trabalhar isso na educação ambiental. Não é interessante para nós ter conta alta, porque desestabiliza a família e ela não paga”, afirma Brunelli.
Metas da Cedae não constam do contrato
Já as metas da Cedae não constam em contrato. O prefeito alega que as obras estão em execução, com prazo de finalização de no máximo dois anos. A população do município passará a contar com uma adutora específica para abastecer a cidade, deixando para trás o revezamento feito pela Companhia. Até hoje a água percorre as cidades da Baixada por meio de uma única adutora. Para que a água chegue a um município, a Companhia precisa fechar o registro das demais. Assim, a maior parte da população de São João recebe água apenas duas vezes por semana; pouquíssimos lugares recebem diariamente e alguns (cerca de 7% dos domicílios) não recebem nunca.
Como sistema de apoio, a Cedae está recuperando antigas caixas d’água, construídas na gestão do governador Marcelo Alencar, e que nunca funcionaram por falta de interligação com o sistema, conforme conta Matos.
“Com o funcionamento de Guandu 2 deixa de existir aquela adutora antiga que passa por várias cidades. A água de São João, se não me engano, passa por Nova Iguaçu, Belford Roxo, Nilópolis, para depois entrar em São João e ainda depois ir para Caxias. Olha a loucura. Por isso as chamadas manobras: você fecha uma para chegar a outra cidade, quando chega o verão é aquele absurdo. A adutora será específica para São João e entrará água todos os dias”, ressalta o prefeito.
Questionado se o contrato diz isso: “Aí é que tá. A gente não tem um contrato. Existe um projeto, que é do governo do estado, e uma obra em execução”, finaliza ele, que é do PHS e não conseguiu eleger seu sucessor. O prefeito eleito de São João será o Doutor João, da coligação PR/PSDB/PEN/PRP/PV/PMB/PPL/PDT.
A concessão da água e do esgoto abrange ao menos quatro contratos, segundo o atual prefeito: o original de 1998 e os atuais de interdependência, de programa e de cooperação. Por enquanto, o ForumRio.org obteve da prefeitura apenas o contrato de 1998 e o de interdependência.