Nove entre cada 10 assaltos a ônibus registrados em 2016 no estado do Rio aconteceram na região metropolitana. Ao todo, a área contabilizou mais de 13 mil ocorrências do tipo entre janeiro e dezembro do ano passado. O número representa um aumento de 76% em relação ao mesmo período de 2015. Os dados foram divulgados no começo de fevereiro pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).
A distribuição das ocorrências se dá de maneira desigual no território. Cenário de mais da metade dos assaltos a ônibus na RMRJ, a capital apresentou um aumento de 60% no número de casos na comparação entre 2015 e 2016. Entretanto, a Baixada já responde por mais de um terço dos crimes do tipo na região metropolitana e foi a zona que registrou a subida mais expressiva na quantidade de roubos. Do ano retrasado para o passado, o total de ataques a coletivos nessa área pulou de cerca de 2 mil para mais de 4.500, um crescimento de mais de 100%. São episódios como o ocorrido em julho, quando um PM sofreu politraumatismo após pular de um veículo que era assaltado por dois homens em Nova Iguaçu. Já o Leste metropolitano somou quase 1.300 eventos do tipo em 2016, 500 a mais do que no ano anterior.
Na opinião de especialistas, a quantidade de assaltos a ônibus tem implicações diretas na forma como as pessoas se locomovem na metrópole. “Se os usuários não percebem o sistema como seguro, a atratividade do serviço é prejudicada”, afirmam pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba em estudo sobre o tema. Menos atraente, o ônibus termina perdendo espaço para outras alternativas, como o transporte particular. “Quanto mais violenta a cidade, mais carros se espremerão nas ruas”, aponta o editor da Revista dos Transportes Públicos Alexandre Pelegi em texto sobre o assunto. O reforço nos requisitos de segurança e o desestímulo ao transporte individual são objetivos previstos na Agenda Rio 2017.
Fuga de passageiros
Além da rejeição ao ônibus, os roubos a coletivos também podem se refletir em uma fuga de passageiros para outros modais. “No caso do Rio, há fortes indícios de que os assaltos estejam levando as pessoas a optarem pelo trem”, afirma Edmilson Varejão, pesquisador do Centro de Estudos de Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (Ceri/FGV). Ele está trabalhando em um artigo sobre o tema. De acordo com dados divulgados pela Rio Ônibus, o número de usuários do sistema na cidade do Rio cresceu 4,9% entre 2014 e 2015. No mesmo período, a quantidade de pessoas nos trens subiu 5,2%, segundo contas da Supervia.
O ranking das localidades mais afetadas por roubos a ônibus torna ainda mais evidente a concentração do problema nas partes mais pobres da RMRJ. Localizada nas proximidades da favela de Manguinhos, a 21ª Delegacia Policial (21ª DP) notificou 1.148 assaltos em 2016. Logo atrás dela, a 59ª DP de Duque de Caxias contou 1.134 crimes do tipo no mesmo período. Vilar dos Teles, Campos Elíseos e Praça da República fecham a lista das cinco unidades com maior número de ocorrências com 671, 491 e 461 episódios registrados, respectivamente.
Embora os assaltos a ônibus sejam mais frequentes nas áreas mais pobres da RMRJ, uma das medidas de maior evidência contra esse tipo de crime é aplicada nas zonas mais privilegiadas da região. Desde meados de janeiro, a Guarda Municipal do Rio (GM-Rio) realiza revistas regulares em coletivos que seguem em direção às praias para evitar os chamados “arrastões”. A iniciativa tem como alvo crianças com menos de 18 anos que estejam viajando sem os pais e sem documentos. O argumento do Estado é que isso caracterizaria situação de vulnerabilidade, o que justificaria o encaminhamento dos jovens ao Conselho Tutelar. Só no último dia 21, 11 meninos nessa situação foram apreendidos em Copacabana.
Para pesquisadores, a medida é preconceituosa e ineficiente. “Se a polícia realmente soubesse quem está cometendo os crimes, iria lá e os prenderia. Não precisaria revistar todos os ônibus que saíram da periferia”, afirmou o sociólogo Ignácio Cano em entrevista sobre o tema ao JB em 2015.
Nenhuma DP da Zona Sul carioca contabilizou mais de 120 roubos a coletivos em 2016. Para Henrique Silveira, coordenador executivo da Casa Fluminense, a distribuição desigual dos crimes contra o patrimônio na metrópole segue o já conhecido mapa da violência do Estado, marcado pela concentração de mortes violentas nas áreas de periferia, principalmente Baixada e Leste Fluminense. “Inexistem políticas públicas de segurança nesses territórios, que acabam invisibilizados pela concentração de esforços e atenções nas áreas mais ricas da cidade”.