por Douglas Lacerda*, Erika Rodrigues**, Gabriel Henrique*** e Jessyka**** Ribeiro, da Casinha
“Os direitos de todos são violados quando os direitos de um só são ameaçados.” Autoria desconhecida
A frase em destaque resume muito bem nosso trabalho, nesse atual cenário da política brasileira e, nós, pela Casinha, nascemos em defesa desse direito. O projeto nasceu em 2017, como um coletivo de amigos LGBTI+ cansados de tanta violação de direitos e de tanta violência contra nossos corpos. Desde então, hoje como uma organização sem fins lucrativos, nos tornamos um corpo dentro do contexto de acolhida e luta por direitos da população LGBTI+ em situação de vulnerabilidade social no Rio de Janeiro.
Criação do GT de Serviço Social e do Programa de Distribuição de Cestas Básicas
Com a pandemia da COVID-19, muitas instituições tiveram que repensar seus processos de trabalho para dar conta de demandas novas, por vezes mais complexas, e com a Casinha não foi diferente. Sentimos a necessidade de criação de um novo Grupo de Trabalho (GT) para dar conta da multiplicidade de demandas que passaram a chegar. Dessa forma criamos o GT de Serviço Social, cujo atendimento foi realizado de forma online, visando respeitar os protocolos de distanciamento social.
Ao receber os dados dos/as acolhides através de um formulário online disponibilizado pelas redes sociais da Casinha, nossa primeira atividade foi entrar em contato. Nesse processo realizamos um mapeamento das principais demandas da população LGBTI+ no município do Rio de Janeiro.
Além do aumento da procura por alimentação, houve diversos relatos de sofrimento psíquico, desemprego, dificuldades de acesso ao auxílio emergencial, aumento da homolesbotransfobia no confinamento com familiares e dificuldades na materialização de uma terapia online, devido ao medo de que algum membro familiar o/a escutasse falar. Ficou evidente a ausência e precariedade de um conjunto de direitos que deveriam estar sendo assegurados a qualquer indivíduo, principalmente aos que se encontram em situação de vulnerabilidade.
O Programa de Distribuição de Cestas Básicas foi a porta de entrada para tentarmos compreender a complexidade de demandas que chegavam até nós. A partir da análise dos dados, passamos a realizar encaminhamentos para diversas áreas (dentro e fora da Casinha), principalmente de empregabilidade, assessoria jurídica e atendimento em saúde mental. Já no processo de distribuição das cestas, um grande entrave enfrentado foi a questão da ausência do transporte para realizar nossas ações, dependendo da disponibilidade de pessoas que pudessem auxiliar nesse processo e não fossem LGBTfóbicas.
A partir do trabalho do Serviço Social da Casinha, fomos constatando entre nossos acolhides que frequentemente são tratadas/os de forma negligenciada ao procurarem algum serviço ou instituição. São diversos relatos que contam sobre um tratamento baseado em estereótipos e preconceitos que consequentemente desestimulam a adesão de muitas à diversos espaços de sociabilidade. Este cenário constata para nós a importância que a ONG tem no processo de acolhimento a pessoas LGBTI+.
A ausência de dados da população LGBTI+ no Brasil
Historicamente os dados sobre violências e violações de direitos no país são construídos e reportados por institutos de militância e ativismo, portanto, podemos afirmar com precisão que não existem dados acerca da população LGBTI+ sendo produzidos por instituições estatais, consideradas “oficiais” no país. Todas as informações e dados existentes são elaborados por movimentos sociais e organizações não governamentais a partir de pesquisa em matérias de jornais, informações que circulam na internet e relatos que são enviados para estas organizações.
A negligência das autoridades públicas com relação à construção de indicadores sociais e de políticas públicas para a população LGBTI+ demonstram a omissão do Estado brasileiro. A rede pública de assistência social, já muito fragilizada, se tornou ainda mais frágil na pandemia devido ao aumento da demanda por abrigo/moradia, alimentação e acesso ao trabalho e à renda. Segundo o último censo de população em situação de rua da Prefeitura do Rio, de novembro de 2020, existem pelo menos 7.272 pessoas vivendo sob estas condições. Destas, 752 pessoas informaram que foram para as ruas com a pandemia e destacaram a perda do trabalho (34%) e perda da moradia (19%) como motivo. A partir destes dados, nos perguntamos: Quantas dessas pessoas fazem parte da comunidade LGBTI+? Não temos esta resposta. A ausência de dados oficiais, novamente, impossibilita uma aproximação da realidade para que se possa pensar ações concretas que dêem dignidade e emancipação.
Há quatro anos atuamos oferecendo apoio à população LGBTI+. Atualmente, temos em nosso cadastro 200 acolhides inscritos, sendo que 138 são auxiliados de alguma forma, ficando assim 62 acolhides na lista de espera. Nossa meta é atender a todes e também fazer com que mais pessoas sejam alcançadas pelos nossos projetos.
Até hoje nossas doações vêm, em grande parte, de empresas parceiras, correspondendo a 80% da nossa arrecadação atual. Mas, infelizmente, esse valor vem caindo ultimamente. Acabamos de lançar no site uma campanha de financiamento coletivo para quem quer se tornar doadore recorrente do nosso projeto! As nossas ações são contínuas e as demandas URGENTES. Conheça mais sobre nosso trabalho e seja um doadore: https://www.casinha.ong/
*Douglas Lacerda é historiador pela UERJ, educador e produtor cultural. Atualmente é head da Diretoria de Programas na Casinha, onde desenvolve projetos ligados à assistência social, cultura, educação, saúde e empregabilidade. Estudante em Políticas Públicas, pela Casa Fluminense, no Rio de Janeiro. Como produtor, desenvolveu projetos ligados à cultura, como Mostras Culturais LGBT, eventos, palestras em instituições educacionais e corporativas a fim de mobilizar para as temáticas de gênero e sexualidade, no intuito de construir uma rede sensibilizada à causa das pessoas LGBTI+.
**Erika Rodrigues possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com linha de pesquisa voltada ao estudo das relações raciais e de gênero no Brasil. Atualmente atua como assistente social na Associação Casinha de Acolhida para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – Casinha no Rio de Janeiro-RJ.
***Gabriel Henrique é graduado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde pesquisou a representação da comunidade LGBT (com ênfase em pessoas trans e travestis), nos conselhos e instituições de ensino e pesquisa em Serviço Social. Pós graduando em Gestão de Pessoas pela Universidade de São Paulo (USP) e assistente social na Associação Casinha de Acolhida para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – Casinha no Rio de Janeiro-RJ.
****Jessyka Ribeiro possui graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente é doutoranda em Serviço Social no Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde desenvolve uma análise da Divisão Sexual do Trabalho com a população Travesti e Transexual no Brasil. Atua como assistente social na Associação Casinha de Acolhida para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – Casinha no Rio de Janeiro-RJ. É co-criadora da coletiva Papel Mulher.