Por toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) há moradores tentando ou fazendo efetivamente controle social da prometida recuperação da Baía de Guanabara. Muitos apenas tentam, porque sequer conseguem dialogar com os órgãos públicos municipais e estaduais ou com a empresa concessionária, seja a estatal Cedae ou uma companhia privada.
Segundo o Portal Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU), as ideias de participação e controle social estão intimamente relacionadas aos cidadãos poderem intervir na tomada de decisão administrativa, orientando os governos na adoção de medidas de interesse público e exigindo prestação de contas. Dando continuidade à série de reportagens do ForumRio.org sobre concessão do serviço de esgoto, conforme estuda o Governo do Estado, veremos a seguir que existe participação da sociedade civil, mas fazer dela um efetivo controle social ainda é difícil.
Niterói apresenta uma experiência singular. Primeira concessão de água e esgoto feita na RMRJ, em 1999, a prefeitura faz ela própria uma espécie de regulação da Águas de Niterói. O biólogo e consultor Paulo Bidegain, membro do Subcomitê Lagoas de Itaipu e Piratininga, braço do chamado Comitezão (Comitê de Bacia da Baía de Guanabara), admite não conseguir fazer controle social propriamente dito, mas diz que, pelo menos, a interlocução com a concessionária é boa e que um representante da empresa está sempre presente correndo atrás das informações solicitadas pela sociedade civil.
Apesar da falta de um órgão regulador externo, ele acha que a concessão vem dando certo, já com 94% de rede instalada, com tratamento de tudo o que é coletado. “Como não tem regulação (externa)?”, questiona ele. “Mas no estado do Rio eu começo a pensar qualquer coisa. Deu certo por isso? Porque às vezes a Agenersa mais atrapalha do que ajuda, você vê no transporte”, compara.
Ele apoia a proposta de passar o saneamento para a iniciativa privada nos demais municípios da região, simplesmente por não esperar mais nada da Cedae. Há anos atuando e militando na área (ele teve duas passagens curtas pela Secretaria Estadual do Ambiente, em 1999/2000 e 2007/2009), Bidegain diz nunca ter conseguido sequer dialogar com a companhia.
Uma de suas principais cobranças atualmente à prefeitura e à Águas de Niterói recai sobre a poluição dos rios e córregos da cidade. Passados 16 anos de investimentos na coleta e tratamento de esgoto, ele reclama da inexistência de rios saneados no município. O biólogo compreende as dificuldades (admitidas pelo vice-prefeito Axel Grael. Leia aqui), mas diz que a engenharia está aí para resolver os problemas. Por outro lado, ele reconhece a morosidade da Justiça em obrigar condomínios de classe média alta a fazer a ligação à rede separadora. Os processos demoram anos, caso o condomínio recorra da obrigatoriedade de fazer a conexão.
Já nos municípios atendidos pela Cedae, a situação é bem pior. Não se consegue saber sequer quanto do esgoto gerado pela população da bacia drenante da Baía (inserir imagem em anexo) é tratado. O percentual varia de 23,26%, segundo a ex-coordenadora de Políticas Municipais de Saneamento do Psam, Eloisa Elena Torres, a 49%, conforme divulgava oficialmente a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), na gestão de Carlos Minc.
O cálculo de Eloisa se baseia nos dados do ICMS Verde, que são repassados pelos municípios. Ela acrescenta que a recém-entrada em operação da ETE Constantino Arruda Pessoa, em Deodoro, pela Foz Águas 5 (concessionária da Zona Oeste da capital), está elevando o volume tratado para 27%. Com as obras em andamento (inserir imagem em anexo), o índice subirá para 40,08% em 2018. Ou seja, muito mas muito longe dos 80% prometidos pelo Governo do Estado para as Olimpíadas.
Falta de diálogo em São João de Meriti
A prática alerta que a concessão à iniciativa privada, por si só, não garante transparência. Marcos Albuquerque, do Centro de Ação Comunitária (Cedac), que desde 2011 acompanha o Movimento Pró-Saneamento Ambiental e Meio Ambiente do Parque Araruama (MPS), bairro de São João de Meriti, traz na bagagem uma experiência bem diferente. Para ele, a concessão do serviço de esgoto para a Águas de Meriti “é um mistério”. O MPS sequer consegue acesso ao convênio celebrado com a prefeitura em 2015.
O FórumRio.org fez a mesma solicitação, também sem sucesso, junto à prefeitura e à Águas de Meriti. A concessionária prontamente nos concedeu entrevista esclarecendo vários pontos (publicaremos em breve!), mas disse que cabia à administração municipal repassar os documentos. A prefeitura, por meio da assessoria de comunicação, disse reiteradas vezes que havia encaminhado o pedido à Procuradoria, sem ter obtido retorno. Nosso primeiro contato foi em 30 de junho, solicitando uma entrevista sobre a concessão com o prefeito Sandro Matos.
A Agenersa, por sua vez, informa que ainda não regula a Águas de Meriti, por isso, não tem o contrato. A regulação estaria para ter início, segundo informou a empresa, mas até o fim de julho não havia começado. No site da prefeitura também não é possível localizar o convênio.
Marcos diz ser contra a concessão do serviço de esgoto e a ideia de privatização da Cedae. “Não entendemos se você tem uma empresa pública com conhecimento, técnica, funcionários capacitados, porque vai privatizar. Qual a justificativa para isso? Nosso desejo é reverter a concessão de São João. Estamos exigindo informações” Outro questionamento é o fato de o poder público já ter aportado muitos recursos no município para diferentes obras, como a implantação da rede separadora em boa parte da cidade, feita com verba do PDBG.
O MPS tenta ainda informações sobre duas obras na região, o PAC Drenagem e o PAC Habitação, e informa ainda não ter respostas efetivas. Já conseguiram conversar com o prefeito Sandro Matos, mas obtiveram dele apenas informações vagas. As obras no Parque Araruama ocorrem desde 2011, com ruas esburacadas para implantação de manilhas.
“Aterraram um canal, que era uma vala a céu aberto, e jogaram o esgoto para drenagem, porque a rede do PDBG está parada. Quando chove o esgoto volta para dentro da casa das pessoas. Piorou muito a situação”, relata ele. O movimento acionou o Ministério Público por conta dessa obra e também a do PAC Habitação, no Parque Analândia, que está parada.
O MPS surgiu em 2011, quando um grupo de moradores começou a fazer controle social das ações de saneamento básico no Parque Araruama. Inicialmente, eles foram impulsionados pela campanha da Fraternidade que, naquele ano, trabalhou o meio ambiente. Desde então, o grupo se abriu para moradores sem distinção de credo e não parou mais.
A eles se juntou também a pesquisadora da Fiocruz Bianca Dieile, que apoia as ações do MPS levando informação sobre saúde pública e incentivando o controle social. Ela questiona, por exemplo, a legalidade do processo de concessão do esgoto em São João, que não teria respeitado o artigo 11 da Lei Nacional do Saneamento Básico (nº 11.445/2007), que diz:
Art.11. São condições de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico:
A existência de plano de saneamento básico;
1. A existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do respectivo plano de saneamento básico;
2. A existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretrizes desta Lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização;
3. A realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato.
O ForumRio.org aguarda a entrevista com o prefeito para esclarecer o processo de concessão.
Pescadores aprofundam conhecimentos
Já a estratégia dos pescadores artesanais envolve fiscalizar o que acontece na Baía e aprofundar conhecimentos para participar de audiências públicas, reuniões, conselhos e comitês, munidos de argumentação tecnicamente embasada. Alexandre Anderson, da Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), começou inclusive a participar do Comitê de Bacia da Baía de Guanabara e, este ano, está na coordenação do Sub-comitê Oeste.
“Não espero muita coisa do Comitê da Baía, espero constranger para mostrar o óbvio. Sabemos que os comitês e conselhos são muito burocráticos. Estamos dando outra cara para o Comitê”, diz ele, que é de Magé.
Focando sobretudo a indústria do petróleo, mais do que o lançamento de esgoto, Alexandre já sofreu ameaças de morte e atentados devido ao trabalho em defesa da pesca artesanal. De 2009 a 2012, quatro companheiros da associação foram assassinados.
Atualmente há na Baía 12% de área disponível para a pesca, contra 46% para a indústria offshore, denuncia ele. Nos anos 1990, os pescadores podiam atuar em 78% do espelho d’água. Uma das principais ações da Ahomar são as diligências realizadas desde 2012, quase semanalmente, flagrando ações irregulares como lançamento de óleo e de tinta por parte de navios e estaleiros.
A ampliação da atividade offshore e da proibição da pesca artesanal em vários pontos o torna um tanto descrente sobre a recuperação da Baía, mas ele não desiste da luta. Acha, porém, que os programas de tratamento de esgoto não irão adiante por artimanha do poder público. “Imagina se não tiver sacos plásticos nem esgoto (no espelho d’água)? A indústria petroleira não ia poder ficar. O poder público não vai limpar a Baía enquanto tiver interesse industrial”, afirma.
Mesmo assim, ele e os demais líderes da Ahomar se capacitam, contando também com o apoio de pesquisadores da Academia. Hoje, os pescadores se debruçam sobre mapas que indicam o porquê das áreas destinadas à indústria offshore (variáveis que envolvem a profundidade, marés, proximidade com o Comperj e outras empresas, entre outros), entendem de leis nacionais e internacionais, conversam com juízes e procuradores, fazem denúncias e ocupam espaços participativos, como o Comitê da Baía.
“A guerra vai demorar a ser ganha, mas as batalhas estão sendo ganhas. Em 2014, fechamos o canteiro de obras do GLP/GLL, da Petrobras, em Praia de Mauá, através da nossa fiscalização junto com o Ibama. Conseguimos recuar uma linha de dutos em 2009/2010 e eles tiveram que fazer a solda no Caju, não em Magé. Detectamos lançamento de materiais químicos na Ilha do Governador e os responsáveis tiveram que recuar, pois o poder público interferiu através de uma denúncia nossa. E há pouco tempo, este ano, o que é muito simbólico, a Ahomar conseguiu parar o lançamento indiscriminado de chorume do lixão de Gramacho. Isso vai animando”, enumera ele, recobrando um pouco o otimismo.