Encaminhamentos da mesa:
- Construção de metas de redução de homicídios e políticas de segurança localizadas, a partir de prioridades definidas em diálogo com as comunidades.
- Reconhecimento de fóruns locais da sociedade civil como instâncias de construção do diálogo com o poder público.
- Criação de programas para estabelecer redes de sociabilidade e formação dos jovens e para estimular o protagonismo juvenil na região.
“Cidadania é o direito de ter direitos”. A frase da filósofa Hannah Arendt, escrita no quadro, era o testemunho da aula de sociologia dada no dia anterior na sala da Colégio Estadual Stuart Edgar Angel Jones. Não poderia haver epígrafe mais apropriada para o debate que aconteceu ali, sobre o “Direito à segurança na Zona Oeste”, uma das atividades do 4º Forum Rio realizado pela Casa Fluminense neste sábado, em Senador Camará.
O encontro teve a participação do ativista Binho Cultura, escritor e criador do Instituto Vivos por Direitos e do Alexandre Ciconello, da Anistia Internacional; a mediação foi do diretor da Redes da Maré, Edson Diniz. Também convidado, o Coronel Friederik Minervini Bassani, do 14° BPM, não compareceu. A ausência do oficial foi o primeiro assunto da mesa, colocando em pauta o diálogo entre a sociedade e as forças policiais.
Acostumado a mediar conflitos e discutir a atuação das forças de segurança em uma das regiões mais conflagradas do Rio de Janeiro, Binho apontou as dificuldades com que tenta acordar com a polícia uma atuação que não represente uma ameaça à comunidade. “Há dois anos venho dialogando com cada comandante de batalhão que entra. Cada novo comandante que entra quer mostrar serviço. É aí que temos o maior índice de balas perdidas. Não somos contra a ação da polícia. Só não somos a favor da polícia pé na porta”, relatou.
“Vila Aliança e Senador Camará hoje são as regiões mais perigosas do Rio de Janeiro. Um dos chefes do tráfico é o mais procurado da cidade. A segurança não é pública. A violência, sim, é pública”, contextualizou.
A violência pública, explicou, afeta a educação e a saúde. Nos postos de saúde, contaram agentes de saúde presentes, diariamente é colocado na parede um indicador visual para orientar as equipes dos programas de Saúde da Família: sinal verde, estão liberadas as saídas para a comunidade e visitas aos moradores; amarelo indica que o trabalho deve ser interno; e o vermelho avisa da iminência do posto fechar as portas.
Não é uma situação exclusiva da Zona Oeste. Em Nova Iguaçu, contou o rapper Dudu de Morro Agudo, o uso de armas é comum. “Todo mundo anda armado. Qualquer briga de bar termina em tiro”, disse.
Neste contexto, falham as estruturas que poderiam servir para a participação da comunidade na construção de políticas para o local. O Café Comunitário, encontro que reúne moradores, associações locais e representantes da Polícia Civil e Militar, é visto com desconfiança pela população. “Já houve situações em que um morador falou o que não devia e o chefe do tráfico ficou sabendo”, lembra Binho.
O criador da Flizo – Festa Literária da Zona Oeste – gostaria de produzir com organizações locais, instituições governamentais e a polícia um fórum permanente intitulado “Senador Camará que queremos”, inspirado no projeto “Maré que queremos”, realizado pelas associações de moradores e Redes da Maré. “Precisamos que cheguem políticas para criar oportunidades”, disse.
Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, citou números sobre a violência no Brasil. O país é o que mais se mata em termos absolutos: são mais de 56 mil homicídios por ano, e os números só crescem. Dentre os que morrem, a maioria absoluta é de jovens negros: “A indiferença a estes números revela o racismo. Os que estão morrendo são os invisíveis, que não tem o poder de colocar na agenda pública este tema”.
A cidade do Rio de Janeiro registrou uma queda acentuada na taxa de homicídios. Em relação a 2002, foi de cerca de 50%. No entanto, permanece a impunidade: só 8% dos homicídios resultam em processos judiciais. “Existe uma licença para matar”, aponta Alexandre.
Além disso, tanto no Rio de janeiro quanto no Brasil, muitos dos homicídios são causados pela Polícia, que em muitos casos não conta com treinamento adequado ou protocolos claros para enfrentar situações de conflito. A falta de mecanismos de responsabilização e controle das ações de policiais completa este quadro.
A tragédia cotidiana exige reformas estruturais da estrutura policial, apontou Alexandre. Ele ainda apontou a necessidade de criação de metas territoriais para a redução de homicídios e de mecanismos de controle externo e responsabilização das policias mais efetivos.