O terceiro Encontro Rio Metrópole encerrou a sequência de debates do Plano Metropolitano em 2019, com o tema do saneamento básico. Em 28 de outubro, o encontro discutiu o Programa Metrópole Sustentável com a presença dos debatedores Aercio de Oliveira (coordenador da FASE-RJ) e Ana Lúcia Britto (Professora da PROURB/UFRJ, pesquisadora do Observatório de Metrópoles e coordenadora do Laboratório de Águas Urbanas – LAU). A proposta do encontro foi apresentar os pontos prioritários que a sociedade civil precisa ficar de olho para exercer controle social e incidência política na agenda metropolitana do saneamento. Entretanto, é importante registrar que o terceiro encontro aconteceu em um contexto diferente dos anteriores, quando a Casa Fluminense ainda estava na Presidência do Conselho Consultivo.
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No início de sua exposição, a convidada Ana Lúcia fez um panorama do estágio atual dos serviços de saneamento básico e suas urgentes demandas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo a professora e pesquisadora, não há programa para os 1º e o 3º distritos de coleta de esgoto residencial, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Outro ponto levantado foi o controle social, que para Ana Lúcia, acaba sendo um observador de obras. Portanto, se não houver obras, não há controle social. E sobre isso, faz uma alerta. Para ela, é importante ter olhar atento para a estação Gandu, na Baixada Fluminense, acompanhar o andamento das obras do PSAM e as obras paradas, os modelos tarifários e as tarifas sociais e a privatização da Cedae. Em relação ao Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), ou mesmo, Plano Metropolitano, a professora fez algumas correlações para pautar o debate sobre o diagnóstico e propostas feitas pelo documento. Uma delas é a lei estadual de autoria de Comte Bittencourt, que autoriza lançamento de esgoto em local de drenagem. Outro apontamento foi sobre a privatização da Cedae e as suas possíveis consequências. Segundo Ana, se houver a privatização, os contratos continuam valendo mas uma empresa privada assumirá os trabalhos com um status precário de atuação. Sobre a tarifa social, Ana expõe que a Cedae só tem dois modelos, contudo a Baixada não tem acesso a ele. Por isso, o índice de inadimplência é muito alto, pois as pessoas não conseguem pagar as tarifas.
Ainda sobre a privatização da Cedae, Ana aponta alguns aspectos que podem ou vêm sendo abordados, bem como, a privatização para que o uso do recurso seja usado como pagamento das dívidas do estado do Rio de Janeiro e a abertura de capital da companhia. Além disso, a pesquisadora aponta que a proposta de manter a empresa como produtora de água não foi pensado como, também, a do modelo AP5 ter concessões para esgotamento sanitário que foi descartada do debate. Para ela, portanto, a possibilidade mais viável para a resolução do impasse é a concessão dos serviços, mediante outorga, e que o ideal é permitir que a Cedae produza água, como acontece na cidade de Niterói. Para Ana, é possível fazer prestação de serviços boa e satisfatória que operam sendo empresas públicas, sem a lógica do lucro, inclusive com tarifa social. E finaliza dando o exemplo do estado da Bahia cujos serviços de água e esgotamento sanitário tem cobertura de quase 100%, pois a Embasa, empresa de água do estado, investiu, sem a intenção de privatizar o serviço.
Ana encerrou sua apresentação apontando que na Academia é importante participar na construção do debate sobre política pública, pois as obras acabam, mas a política pública, não. Para ela, é importante um trabalho pedagógico na educação básica, pois a escola pode ser um lugar de discussão e que, através dos alunos, é possível chegar aos pais.
Aércio, em sua apresentação, iniciou indicando a participação da FASE no processo de construção do PDUI. E, também, mencionou que a organização (FASE) foi eleita para integrar o Plano Consultivo na Câmara Metropolitana. Além disso, o convidado reafirmou a posição da organização, que é contrária ao projeto de privatização da Cedae.
Passado as apresentações iniciais, Aércio iniciou sua fala indagando sobre o porquê do tema saneamento mobilizar tão pouco o debate público. Nesse caminho, o debatedor afirma que existem duas características no Plano Metropolitano que ajudam nesta reflexão. Para ele, a primeira é a forma como o plano foi elaborado, pois por mais que tivessem organizações e funcionários públicos, o plano, em sua produção, no que tange, a participação social, foi feito de forma muito verticalizada, e isso, de início, já demonstra as dificuldades.
Contudo, para ele, não dá pra olhar pro plano e pensar “joga fora no lixo’, pois há coisas interessantes mas com problemas. Para ele,, uma marca do plano no que concerne ao conteúdo, é o aproveitamento de programas e projetos tipo o “iguassu”. A falta de diálogo com a sociedade civil e inclusive com as prefeituras também foi citada. Aércio lembrou, também, a produção do Plano Municipal de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. Para ele, o Plano comete o equívoco de ser produzido com pouco diálogo com a sociedade civil e a proposição de parcerias público-privada. O convidado afirmou, ainda, que no Brasil alguns planos se efetivam, mas a maioria, não.
Aércio afirma que os canais de diálogos institucionais nos municípios da Baixada têm um espaço menor para o debate, à exemplo da ALERJ . Para Aércio, é um desafio no campo da sociedade civil o horizonte de diálogo em um momento que tem predominado uma “agenda difusa”. Todavia, para ele, é preciso o reconhecimento de que a região metropolitana carece de atores políticos para dialogar sobre as questões infra estruturais da metrópole e que, talvez, o Plano Metropolitano seja essa oportunidade.
Finalizando sua explanação, o debatedor afirma que é prioritário definir os pontos de diálogos no texto do planejamento para dialogar com os parlamentares do campo democrático. Somado a isso, lembra que na Baixada o tema saneamento foi capaz de incitar grande mobilização e, na região, as condições de vida das pessoas, a partir das obras de saneamento, melhoraram muito. Além disso, Aércio questiona com é possível pensar uma agenda mais integradora e uma estratégia de participação social.
Contribuições dos participantes durante o debate
Emanuel Alencar (Museu do Amanhã) – Apresentou a atuação do Museu na iniciativa para pesquisa sobre Baía de Guanabara e afirmou que é preciso criar estratégias para pensar o entorno da baía e saneamento. Apontou também que o Observatório da Baía de Guanabara e o MP estão juntos nessa frente para pensar o controle das obras e expor essas resoluções no museu, com o objetivo de fazer o público do museu se ambientar nesse debate, para os visitantes terem a clareza de como o processo está caminhando. Emanuel afirmou que o MP tem um papel de suma importância nessa articulação, mas a ideia é se aproximar mais das prefeituras.
Sergio Ricardo (Baía Viva) – “As milícias têm impedido mobilização do movimento comunitário. Existe um desafio em relação aos planos municipais. Os vereadores estão passando batido e se sentem desobrigados em relação a isso, os debates orçamentários têm pouca iniciativa para garantir recurso para pasta e é hora de pautar os problemas da Baía de Sepetiba.”
Sergio Castro (Associação de moradores Jardins de Cosmos) – “ O potencial do subproduto do esgoto é o sistema de energia do metano, energia da biomassa e o sistema de aproveitamento para adubagem. A Universidade de Vitória tem projetos nesse caminho. Esse subproduto do esgoto é rentável.” Sérgio finalizou sua fala solicitando que a Academia apoie pesquisas na região de Sepetiba, pois além dos problemas já conhecidos, ele aponta que exploração imobiliária está descontrolada.
Eloisa Torres (Conselheira da Casa Fluminense) – “A Cedae tinha uma arrecadação, em 2010, de um bilhão de euros. A arrecadação mensal da cedae é de 300 milhões. É isso que está sendo disputado nesse papo de privatização.”
Leon (estudante de Engenharia Civil da Ufrj) – Iniciativa de criar um mecanismo de aproximar os estudantes de engenharia para resolver questões de interesse público. “Partimos pelo PDUI e sugerimos isso como tema de projetos de pesquisa no curso de engenharia. Se perdemos espaço no institucional, dá pra fazer algo em pequena escala?”
Antonio Oscar (Fórum de Transparência de Niterói) – modelo de desenvolvimento e visão neoliberal com o estado mínimo de lógica. Nesse sentido, “precisamos construir algo que seja uma opção e se chama economia solidária, movimento organizado nacionalmente. Quais são as questões que temos em comum para pensarmos coletivamente. Queremos uma solução pública.”
Suiá (IPPUR – UFRJ)- Citou o projeto de extensão na universidade que foi interrompido porque a câmara metropolitana não “engrenou” pela virada autoritária. “Tínhamos planejado uma atividade no Museu Vivo do São Bento, em Duque de Caxias. Porém, qual nosso foco? Falar disso ou da interrupção da câmara metropolitana?”
Paulo (MPS São João de Meriti) – “ Tínhamos o PAC drenagem em São João quando começamos o MPS. As obras de saneamento mobilizam as pessoas, mas se água não mobiliza as pessoas, pois a iminência da crise hídrica ta ai. Essa pernada que o governador deu na gente é normal. O MPS judicializou os abusos cometidos pelo prefeito Sandro Matos. As câmaras metropolitanas da Baixada são uma vergonha. Não temos notícia do plano de saneamento de São João.”
Juliana Sá ( Data Labe) – “ O Cocozap é um número de Whatsapp para receber denúncia de saneamento básico na Maré e tem o objetivo de fomentar a participação no território, na memória daquele lugar. A gente entendeu que na Maré o saneamento está diretamente ligado ao racismo ambiental. E que agendas são essas que a gente consegue conciliar? Cocozap tem que ser um projeto de monitoramento e tentar o diálogo com o morador, pra valer esses mais de 2 bilhões de recursos que a Maré vai receber.”
Falas finais dos debatedores:
Ana: “A gente tá frustrado tanto com o plano como o próprio modelo de gestão. Mas precisamos escolher temas dentro dessa pasta que a gente possa criar um monitoramento de políticas públicas. Quais ações são prioritárias no campo do saneamento? PSAM, Guandu, Cedae e favelas.”
Aercio: “Acho que tem que definir prioridades, procurar trabalhar em rede, identificar alguns espaços, alguns coletivos, alguns grupos. Como retomamos a discussão em 2020?”