Por Silvia Noronha
Dez anos após a promulgação da Política Nacional do Saneamento Básico, a dificuldade de colocar em prática os Planos Municipais do setor (PMSBs) se constitui em uma das marcas desse instrumento de gestão do Rio Metropolitano. O exercício do planejamento é uma etapa básica fundamental. Desafio ainda maior é colocar as metas em prática, perseguindo o acesso à água e ao esgotamento sanitário como um direito humano – independente das condições de pagamento dos cidadãos –, conforme resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é signatário.
No mundo todo são mais de 2,5 bilhões de pessoas sem acesso a banheiros e sistemas de esgoto adequados, segundo dados da ONU de 2016. Milhares delas vivem aqui no Rio Metropolitano, que apresenta graves disparidades intra-regionais no acesso a água, esgoto e coleta de lixo, conforme evidencia o Mapa da Desigualdade, da Casa Fluminense.
De acordo com o Painel de Monitoramento: Instrumentos de Gestão Municipal do Rio Metropolitano, lançado pela Casa em abril, sete dos 21 municípios da metrópole ainda nem elaboraram seus PMSBs, cujo prazo, já estendido três vezes pela União, se encerra em 31 de dezembro deste ano. Dos 14 que fizeram, oito deveriam estar em processo de revisão do documento e dois já estão com a atualização em atraso. Neste último caso estão a capital e São João de Meriti, os dois municípios que fizeram concessão do esgotamento sanitário à iniciativa privada.
A entrega do plano, que requer aprovação pela Câmara de Vereadores ou edição de decreto, é pré-condição para a prestação do serviço, portanto para validar qualquer concessão, seja à Cedae ou a outra empresa. Também é preciso ter o documento para acessar recursos orçamentários da União ou por ela administrados, como verbas do PAC Saneamento e empréstimos do BNDES, da Caixa e de organismos internacionais.
A obrigatoriedade do PMSB foi instituída pela Política Nacional, que também determinou que os municípios têm de contar com órgão colegiado para exercer controle social do setor. O prazo para essa exigência expirou em 31 de dezembro de 2014. Embora alguns tenham agregado essa função a conselhos já existentes, na prática o controle social ainda não é exercido. Os instrumentos determinados pela política incluem ainda regulação, fiscalização e formação de um fundo municipal de saneamento, algo jamais criado na região metropolitana.
O início da regulação da Cedae, responsável em parte ou integralmente pelos serviços em 17 dos 21 municípios da metrópole, poderia ter sido um avanço, porém a Agenersa (que também pertence ao governo do estado) até hoje não se manifestou sobre o cumprimento das metas municipais estabelecidas pelos PMSBs. Os contratos com as prefeituras também não foram publicizados no site da instituição até hoje, ao contrário do que ocorre com as demais empresas reguladas por ela: Águas de Juturnaíba, CEG e Prolagos.
Cópias dos contratos da RMRJ foram solicitadas pela Casa Fluminense em 10 de maio, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A instituição mandou os arquivos no dia 13 de junho, após o segundo recurso enviado pela equipe da Casa. Confira aqui.
“Esses contratos não sobrevivem a uma avaliação crítica jurídica”, afirma a engenheira civil Eloisa Elena Torres, conselheira da Casa e especialista no tema. Eles foram celebrados após a promulgação da política federal do saneamento e deveriam respeitar as premissas contidas na lei, mas isso não acontece, como já tratado pela Casa em reportagens anteriores (aqui e aqui).
PANORAMA NACIONAL E LOCAL
No Brasil, levantamento do Ministério das Cidades indica que, até janeiro, 3.903 municípios do país possuíam ou estavam elaborando seus planos. A pesquisa considerou os quatro componentes: 1) abastecimento de água, 2) esgotamento sanitário, 3) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; 4) drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
No caso do Rio Metropolitano, entretanto, o planejamento incluiu basicamente as vertentes água e esgoto. Apenas três fizeram a parte de resíduos sólidos (leia reportagem da Casa aqui). Um dos principais motivos foi o apoio da Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) para os componentes água e esgoto, ação que fazia parte do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam).
Assim como vimos a respeito dos Planos Diretores (em breve uma matéria sobre o tema), a legislação é elogiada; o problema é a prática. A maior parte dos planos de saneamento foi feita entre 2011 e 2013, quando havia perspectiva de universalizar o abastecimento de água e esgotamento sanitário no prazo de 20 anos. Com a crise politica e fiscal do governo do estado e da União, o panorama está em suspenso.
O principal programa de esgotamento sanitário da região, o Psam, foi interrompido antes de ter concluído qualquer obra e o governo federal quer privatizar a Cedae como moeda de troca para socorrer o cofre fluminense. O panorama, portanto, mudou radicalmente ao longo da década. A revisão dos PMSBs é particularmente necessária.
AVANÇOS E RETROCESSO
Mesmo assim, o documento não se perde, ressalta Eloisa, que coordenou esse trabalho pelo Psam. A etapa do diagnóstico permitiu sistematizar informações básicas, antes indisponíveis. Entretanto, não foi viável fazer um cadastro, que supõe reunir todas as informações necessárias para um diagnóstico completo, com avaliação do dimensionamento da rede, localização das avarias e vida útil do sistema, mas sabe-se ao menos que rua tem tubulação ou não. Eloisa observa que na capital, a Rio Águas dispõe de informações mais sistematizadas.
Nos seis planos elaborados por meio do Psam (Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Magé, Nova Iguaçu, Rio Bonito e Tanguá), imaginava-se atingir a demanda mais reprimida em 5 anos, implantando a rede em áreas mais adensadas e nos centros das cidades. Em 10 anos, a previsão era expandir o sistema no entorno dos centros; e em 20 anos nos demais bairros. “Eram metas esperançosas do Brasil pré-Copa. Hoje vemos que eram arrojadas demais. A ideia visava alcançar 30%, 40% da população logo de início e outros 30, 40% em 10 anos”, avalia ela.
Na prática, a expansão do serviço não aconteceu, a ponto de cinco municípios do Rio Metropolitano estarem entre os sete piores colocados em “novas ligações de esgoto sobre ligações faltantes”, no Ranking do Saneamento das 100 Maiores Cidades 2017, do Instituto Trata Brasil. São eles: Nova Iguaçu, São Gonçalo, Duque de Caxias, Belford Roxo e a capital. No quesito referente a novas ligações de água, figuram na lanterna os mesmos municípios, com exceção apenas da capital.
Sobre o futuro próximo, a engenheira cita as três cartas que estão na mesa: a concessão do serviço para uma empresa privada; a manutenção da Cedae como estatal, mas com transparência e controle social; e a privatização da companhia e de seu patrimônio, por meio do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), como deseja o governo federal.
Embora a Assembleia Legislativa (Alerj) tenha autorizado a venda da Cedae, o horizonte é incerto. Para respeitar a lei, todos os municípios atendidos pela estatal precisariam concordar e até agora esses acordos não foram efetuados. Como observado em reportagem do jornal Valor Econômico, a Lei de Consórcios Públicos (11.107, de 2005) torna nulos os contratos de água e esgoto entre uma companhia estadual e municípios em caso de mudança de controlador da operadora.
Diante desse cenário, Eloisa tem uma certeza: “Nós temos em aberto uma agenda medieval, que é esgoto sanitário e lixo”, finaliza Eloisa Elena Torres, engenheira civil e conselheira da Casa Fluminense.
Saiba se seu município fez o plano e conheça o documento aprovado, navegando pelo Painel de Monitoramento: Instrumentos de Gestão Municipal do Rio Metropolitano. Dos que ainda não concluíram, Duque de Caxias, Belford Roxo e Mesquita estão em fase de elaboração, enquanto Japeri, Queimados, Paracambi e Seropédica ainda sequer deram início ao processo, segundo dados do Ministério das Cidades.