Ir às favelas em que o poder paralelo já não decide mais quem pode ou não entrar, conhecer as histórias de vida de seus moradores e trazê-las à tona na grande mídia para quebrar as fronteiras da cidade partida. É assim que defino o projeto que toco no jornal O Dia, o ‘Rio, Cidade sem Fronteiras’, quando me apresento, como faço agora. Faz sentido. Nestes quase dois anos subindo e descendo os morros, escutando histórias que renderiam livros e respirando o cheiro do valão que persiste nas vielas, ficou nítido o quanto o carioca não tem ideia da riqueza que existe acima do nível do mar. Ir à luta para ajudar a colar estes cacos, mostrando aos leitores do asfalto o valor do povo do morro, não é um desafio: é um privilégio!
Da Folia de Reis no Morro da Formiga até a capoeira do mestre João Kanoa, no Fallet, são muitas as histórias capazes de arrrepiar. Kanoa, por exemplo, foi responsável pelo primeiro “pancadão” que tomei neste trabalho. Lá no Fallet, comunidade até então conhecida pelos episódios de violência e a qualidade de sua droga, o mestre desfila elegância, serenidade e negritude diante de seus mais de 50 alunos, crianças e adolescentes. Cego há 18 anos, é um exemplo para a garotada, que busca no seu gingado um caminho de vida.
Na Formiga de André Carvalho, o choque ficou por conta da vitalidade de jovens ainda imberbes batendo seus tambores. Vestidos de palhaços, como convém a uma boa Folia, eles dançam, provocam, gingam em meio ao batuque da Brilhante Estrela do Oriente. Permitem-se misturar seu som com o hip hop, como fizeram na apresentação no dia em que realizamos um debate por lá. Sim, o projeto sempre termina suas “incursões” com um debate…Já foram dez, sempre dentro das favelas, para valorizar o território, e com temas pertinentes a elas.
Há também o lindo trabalho do Proa, de Cris dos Prazeres, que cuida de ensinar a meninos e meninas do Morro dos Prazeres as responsabilidades do sexo seguro. Ou a forte resistência do Jocum do Borel, do meu amigo Jovino Neto. E o que falar de Thiago Firmino e Gílson Fumaça, do Santa Marta, com seus guiamentos turísticos em que mostram aos gringos a verdadeira face da ‘favela modelo’?
Enfim, histórias de vida e exemplos de sobra. Falando dos amigos acima e de Marcelo da Silva, da Associação de Moradores do Vidigal; Emerson Menezes, do Caliel, do Salgueiro; Edu Alves, do Observatório de Favelas; Lúcia Cabral, do Alemão; Evandro Machado, da Matinha, e Pedro Paulo, da Mineira, falo de um Rio que pode dar certo. Falo de um Rio em que a favela não é problema, e sim solução. Afinal, sem inclusão não há projeto de Nação.
Vamos em frente!