Para combater a fome de dentro para dentro, um grupo de jovens negras da Parada São Jorge, comunidade em São Gonçalo, criou a organização Mulheres da Parada. Tudo começou durante a pandemia na garagem da agrofloresteira, Letícia da Hora. Ela e suas vizinhas perceberam o agravamento da insegurança alimentar das famílias à sua volta. A primeira ação iniciada pelo grupo foi mercadinho solidário, um espaço em que ao invés das famílias ganharem uma cesta básica padrão fechada, elas tinham a opção de escolher e montar a partir das suas necessidades pessoais.
O que é um mercado solidário?
Em um sistema de pontos, calculados a partir do número de familiares que cada mulher possui, elas vão colocando na cesta o que faz mais sentido para suas casas. Itens de higiene pessoal não são contabilizados, para que essas mulheres não precisem escolher entre o feijão e o absorvente. Outro diferencial dessa metodologia é a maior diversidade de alimentos, a organização adotou nas suas prateleiras de solidariedade alimentos que não fazem parte da cesta básica convencional como aveia, pipoca, tapioca e cuscuz amarelo. Segundo as organizadoras, são alimentos que extraoficialmente já fazem parte da mesa dos moradores do territórios.
A ativista social e fundadora do Mulheres da Parada explica porque preferiram adotar essa metodologia de mercadinho no lugar das tradicionais distribuições.
“No mercadinho a pessoa tem a dignidade de escolher. A gente está lidando com famílias em vulnerabilidade social, em que a sua autoestima já está ferida. Então, chegar em um lugar onde você não pode escolher o teu próprio alimento, piora tudo. Definir e escolher as quantidades de cada coisa de acordo com que precisa, dá a possibilidade de verdade delas terem segurança alimentar”, conta Letícia.
Em pouco mais de dois anos, mais de 13 mil pessoas foram beneficiadas pelo mercadinho solidário. O projeto analisa que a maioria das pessoas atendidas são mães solos, negras, mulheres com baixa escolaridade e sem formação profissional. Esse perfil dificulta ainda mais a situação de vulnerabilidade que todas já estão inseridas. Observando esse cenário, a organização começou a criar outras linhas de atuação. Então, além de fazerem as compras mensalmente no mercadinho solidário, essas chefes de famílias começaram a ter acesso a outras atividades.
Todas na Parada
O projeto se multiplicou em outras frentes como o de impulsionamento de negócios e autonomia financeira, nas oficinas do Donas da Parada. Na formação, as alunas têm acesso a aulas na área da arte, beleza e gastronomia. Outra frente é o Donas da Agro, uma iniciativa socioambiental de agroecologia em favela, uma das atividades é plantar florestas nos quintais das famílias atendidas.
“Temos uma agrofloresta coletiva aqui na Parada São Jorge, a gente entende que soberania alimentar é sobre produzir nossos alimentos. Nosso sonho é criar um quintal sustentável. Além dessas atividades temos também rodas de conversa sobre saúde mental, organização financeira, reforço escolar, autoestima e tudo que possa corroborar para o desenvolvimento integral das nossas beneficiárias”, explicou a fundadora da organização.
A fome é urgente
Um dos desafios do projeto, apoiado pelo Fundo Casa, é que com o passar do tempo e a mitigação dos picos da pandemia, o número de doações diminuiu drasticamente. Hoje, o projeto depende de doações pontuais que recebe, Letícia conta que sonha com o dia que o mercadinho não será mais necessário. Um olhar para o Rio 2030.
“A gente deseja muito que até 2030 não tenhamos mais a necessidade de ter um mercadinho solidário, essa é uma ação emergencial para lidar com alto número de pessoas passando fome. No futuro queremos atuar incidindo sobre as políticas públicas, ajudando a formular, fiscalizar e implementar. Mas para isso, não podemos mais estar em um país com mais de 32 milhões de pessoas passando fome”, explica Letícia.