Tribuna Casa Especial Relatório de Monitoramento Agenda Rio 2030
por Rafael Calabria
A precariedade da mobilidade urbana e dos transportes é um dos problemas mais graves que os moradores da Baixada Fluminense sofrem diariamente. Desde os que moram em Japeri e Guapimirim que perdem horas nos trens da Supervia, até as pessoas de São Gonçalo que lutam há anos pelo atendimento das barcas na cidade. Os ônibus do Departamento de Transportes do Rio de Janeiro (Detro) e as 22 redes de ônibus municipais são o exemplo mais visível do problema, pois atendem mais cidades e mais usuários, mas sempre com os mesmos problemas de lotação, atrasos e ainda disputam o espaço no trânsito com os carros.
O problema é estrutural no Brasil, não há uma coordenação nacional da qualidade do transporte, e as cidades e estados gerenciam muito mal os serviços. A pandemia tem agravado essa crise mostrando que a forma como o transporte é organizado no país está totalmente esgotada, e a Baixada Fluminense tem diversos exemplos disso.
Além da redução da oferta de ônibus, com aumento dos intervalos e das lotações, em 2021 ocorreram falências de diversas empresas de ônibus, greves no BRT, intervenção da prefeitura nas empresas de ônibus, interrupção de atendimento em linhas da Supervia, redução da frequência das barcas, além das propostas de aumento de tarifas abusivas no metrô e nos trens. Tanto na esfera estadual quanto nos municípios, os problemas se avolumam e os usuários e usuárias sofrem com o aumento da tarifa e a piora da qualidade do transporte, além de interrupção ou cortes de linhas.
O Idec e outras instituições já apontaram exaustivamente que o transporte coletivo não consegue se sustentar baseado apenas no pagamento da tarifa pelo usuário. Isso leva os ônibus e metrôs a dependerem da superlotação para serem rentáveis e a aumentos de tarifa. Ou seja, o sistema fica caro e ruim para o usuário, além de se tornar inviável na pandemia, onde a lotação precisa ser evitada por questões de saúde pública.
Por isso a pandemia estourou uma grave crise no transporte em todas as cidades do país. Vimos algumas cidades reagirem melhor do que outras, mas no Rio o serviço tem entrado em colapso pelo fraco poder de controle da prefeitura e do estado sobre os ônibus e serviços de trilhos, somado ao grande domínio que as empresas privadas têm sobre a própria gestão do serviço, além dos contratos falhos de metrô, trens e barcas.
Em comum, todos os modos de transporte que funcionam na Baixada Fluminense têm a herança de contratos problemáticos, feitos em gestões passadas, que não preveem recursos para manter a qualidade do sistema além da tarifa, motivando o aumento de seu valor. Ou seja, predomina o padrão de esperar que usuários e usuárias, em sua maioria pessoas de baixa renda, banquem todo o custo do transporte público e a manutenção de estações, apesar da importância que o transporte coletivo tem para toda a Região Metropolitana.
Ao depender da tarifa paga pelas pessoas para se manter, os empresários buscam atender bem às regiões mais rentáveis, e deixam as áreas mais periféricas com intervalos enormes e veículos piores. Esse modelo também desestimula que as empresas cumpram as viagens definidas, pois vão receber o mesmo valor se apertarem os passageiros em menos veículos. Por isso a redução de passageiros na pandemia tem sido fatal para este modelo.
Também foi por essa razão que a Supervia e o Metrô Rio precisaram pedir aumento de tarifa, empresas de ônibus foram à falência, a prefeitura interveio no BRT e as barcas tentaram reduzir o serviço – claro, tudo isso sem ouvir a opinião de quem usa esses serviços em nenhum momento! Ficou nítido como a água que o modelo tem que mudar!
Na busca de resolver essa crise, o governo do estado, em recuperação judicial, tem dificuldade em buscar soluções mais ambiciosas. Como o governo desistiu do projeto de lei que previa um socorro para o setor em 2020, precisou negociar com as concessionárias de trem e metrô aumentos menores, que ainda impactam muito o orçamento das pessoas que usam o serviço e mantêm o risco de novos aumentos abusivos no futuro. Há também uma grave dificuldade em se avançar na contratação de novas empresas para operar os ônibus do Detro e as linhas das barcas, que precisam ter contratações mais modernas, garantindo a qualidade, a transparência e a fiscalização do serviço com participação social.
Já a prefeitura surpreende ao buscar iniciar um processo de participação social, debater fontes de receitas para conseguir reduzir a tarifa e apresentar propostas ambiciosas para mudar a gestão dos ônibus.
O Observatório de Mobilidade Urbana Sustentável (OPTMUS Rio) é um importante passo para o fortalecimento da sociedade civil, e a futura organização de conselhos de usuários, assim como a tributação dos aplicativos de transporte individual é um importante instrumento para garantir que as externalidades negativas do uso do carro ajudem a custear o serviço de transporte e tornar a tarifa mais socialmente justa.
Se no financiamento e na participação a capital dá os primeiros passos, a proposta de modificação da gestão dos contratos, por outro lado, é um enorme avanço. A retirada da bilhetagem da mão dos empresários, que está bastante avançada, é estrategicamente importante para a transparência e controle da gestão, e a proposta de dividir os contratos do BRT, em contratos de operação e frota, são as propostas mais inovadora do setor no momento, já sendo implantadas em cidades da América Latina.
O transporte público é um direito e tem que atender a todos com qualidade e valor acessível, não dá para os passageiros bancarem todo o sistema. O impacto social enorme que esse direito gera e a dificuldade dos governos de avançar no tema o torna um dos temas mais importantes da Agenda Rio 2030.
O Rio precisa avançar no controle do serviço, consolidar e ampliar as ferramentas de transparência das contas, participação social e melhores práticas de gestão. É necessário parar de tratar o transporte como responsabilidade das empresas e assumir que ela é da prefeitura, do governo do estado e também do governo federal. Investimento em mobilidade é investimento direto na qualidade de vida das pessoas.
Este artigo foi originalmente publicado no Relatório de Monitoramento Agenda Rio. Para mais conteúdos sobre o tema, faça download da publicação aqui.
* Rafael Calabria é coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC