Transparência no saneamento básico

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Texto por
Silvia Noronha
Data
12 de abril de 2016

O retrato atual do saneamento na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) está prestes a passar por transformações. No horizonte desponta a criação da Agência Executiva da Região Metropolitana, em tramitação na Assembleia Legislativa, e com ela o projeto de parcerias público-privadas (PPPs) para o serviço de esgotamento sanitário, cujo desenho deve ser finalizado em junho.

Em paralelo, corre o processo de regulação da Cedae, estatal do Governo do Estado que, há décadas, detém a concessão do serviço de água e esgoto em 17 dos 21 municípios da Cidade Metropolitana: Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Nova Iguaçu, Magé, Mesquita, Nilópolis, Paracambi, Queimados, Rio Bonito, Rio de Janeiro (menos Zona Oeste – AP5), São Gonçalo, Seropédica e Tanguá.

Insatisfeitos com a Cedae, parte dos municípios da RMRJ vem optando pela concessão do serviço, a exemplo de Niterói, que tomou a decisão ainda no final dos anos 1990, e de São João de Meriti, que fez licitação para esgotamento sanitário, em 2014. Ambas mantiveram o abastecimento de água com a companhia estadual. Itaboraí tentou fazer o mesmo, mas a anulação do contrato foi barrada pela estatal e atualmente está em análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A capital, por sua vez, entregou o o serviço de esgoto na AP5 (Zona Oeste) para ser explorado pela iniciativa privada.

A falta de saneamento adequado, ao mesmo tempo em que impacta a qualidade de vida da população, mantém a Baía de Guanabara  poluída, pois em 16 dos 21 municípios da RMRJ estão rios que compõem sua bacia hidrográfica. Daí a importância de sacudir o cenário atual, em busca de políticas públicas que finalmente tirem a grande maioria dos municípios da RMRJ da lanterna do ranking de saneamento básico do país.

A regulação da Cedae pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), que teve início em 2015, é um processo que demandará tempo até ser ajustado (leia O que esperar da regulação da Cedae). O engenheiro Pedro Pequeno, funcionário de carreira da Agência, onde atualmente é gerente da Câmara de Resíduos Sólidos, vê uma série de fragilidades e as encara como desafios. Um deles refere-se à falta de detalhamento dos atuais contratos da Cedae com os municípios, o que, em muitos aspectos, está em desacordo com a Lei Federal do Saneamento (11.445/2007).

Como o perfil da Agenersa é regular com base no que consta nos contratos (regulação infracontratual), essa prática precisará ser mudada. Caso contrário, o que está na letra do documento – mais eventuais indicadores constantes na legislação de outros órgãos ambientais, como Inea – seria tudo que o ente regulador poderia cobrar.

Felizmente, há alternativas. “Têm agências, entre elas a Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (Aris), de Santa Catarina, e a Entidade Reguladora de Serviços de Águas e Resíduos (Ersar), de Portugal, que regulam por indicadores de qualidade ou desempenho. Eu defendo esse modelo, até porque os contratos podem ser antigos e defasados com relação à realidade atual”, explica Pedro.

A atuação por esse modelo já está sendo sinalizada pela Agenersa, mas, segundo Pedro, ainda levará tempo para que aconteça na prática. Em fevereiro, a instrução normativa colocada em consulta pública pela Agência (leia aqui o documento original e as sugestões apresentadas pelos usuários e pela concessionária) indicava que a Cedae será penalizada se “deixar de atingir qualquer uma das Metas de Qualidade e Segurança estabelecidas por esta Agenersa, nos prazos e condições lá fixados ou em novos prazos fixados pela Agenersa, aplicando-se, nesses casos, uma penalidade de multa para cada item desatendido”. As metas, no entanto, ainda serão fixadas. Já as penalidades sugeridas vão de advertência a multa de 0,01% a 0,10% do faturamento da empresa, por infração.

O papel dos Planos Municipais de Saneamento

Fundamental também será a renovação dos contratos com base na Lei 11.445, que diz que esses documentos, para terem validade, devem estar de acordo com os Planos Municipais de Saneamento e trazer “metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, de qualidade, de eficiência”.

O ForumRio.org teve acesso a sete contratos de programa firmados após janeiro de 2007 – data da promulgação da lei –, considerados “inconsistentes” até no meio jurídico do próprio Governo do Estado. Quando há alguma meta, estas são oriundas do plano de expansão da Cedae, porém o município é que deveria apresentar suas demandas prioritárias, assim como fez a prefeitura do Rio ao privatizar o serviço de esgoto na Zona Oeste. O contrato de concessão com a Foz Águas 5 traz metas claras, cronograma de obras e sanções em caso de descumprimento. Situação contratual semelhante é encontrada na relação com outra concessionária, Águas de Juturnaíba, esta já regulada pela Agenersa.

FozÁguas

Anexo III – Plano de metas e níveis para prestação dos serviços na concessão da Zona Oeste (AP-5). Fonte: Prefeitura do Rio

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Metas de expansão do saneamento na AP5 (Zona Oeste), da Rio Águas, órgão regulador do contrato da prefeitura da capital com a Foz Águas 5

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Planos de Metas disponíveis nos atuais contratos da Cedae com Japeri e Belford Roxo: pouco detalhamento e expansão ainda sujeita a estudo de viabilidade

De acordo com o artigo 9 da lei 11.445, o titular do serviço é quem deve formular a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para isso, elaborar os Planos de Saneamento Básico. No caso de regiões metropolitanas, entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a titularidade é compartilhada pelo município e pelo Governo do Estado. Por isso, a importância da Agência Metropolitana em processo de criação e do projeto das PPPs.

Por outro lado, muitos contratos com a Cedae foram renovados quando os municípios ainda não tinham Plano de Saneamento. Portanto, os documentos assinados com a estatal, mesmo prevendo validade por 20 ou 30 anos, estão fora do novo marco jurídico e precisam ser adequados à lei – o que pode ser feito no momento da revisão dos planos, a cada quatro anos.

“A maior parte dos planos sobre água e esgoto foi feita entre 2012 e 2013, quando havia perspectivas de universalizar o serviço em 20 anos e também quando se esperava a continuidade do Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM). Os planos precisavam de metas arrojadas em função do déficit muito grande, mas que eram factíveis naquele momento. Agora a situação fiscal do estado mudou. Hoje não há entradas para isso (para a renovação do PSAM, que é um financiamento do BID)”, avalia a coordenadora de Políticas Municipais de Saneamento do Programa, Eloisa Elena Torres.

Pedro considera as metas propostas em muitos planos irreais. “A revisão dos planos pode ser uma oportunidade para ajustar as metas e incluí-las nos contratos com a Cedae, que deveriam ser iguais aos estabelecidos em caso de concessão, com metas e cronograma. Com regulação, é preciso ter transparência. Quando o serviço já começa regulado é mais fácil, mas espera-se que ocorra o mesmo com a Cedae”, explica ele.

O que pode fazer a diferença? A pressão da sociedade, a atuação da Agenersa sobre a Cedae, o trabalho da nova Agência Metropolitana e o projeto das PPPs. Tudo isso pode renovar as perspectivas.

No ranking do Saneamento Básico elaborado pelo Instituto Trata Brasil, referente às 100 maiores cidades do país, Niterói é a única da RMRJ entre as 20 melhores (12ª posição). A capital fluminense está no 50º lugar, Belford Roxo no 77º, São Gonçalo no 89º, Duque de Caxias 91º, Nova Iguaçu 92º, São João de Meriti 93º. O ranking é feito com base no Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (Snis).

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