Trabalhadores perdem 30 dias por ano para ir ao trabalho e voltar para casa

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Texto por
Comunicação Casa
Data
21 de julho de 2014

Estudo usa dados do Censo 2010 e integra a primeira reportagem entre O Dia e a Casa Fluminense

Hilka Telles

Pelo menos 1 milhão de pessoas que moram na Região Metropolitana do Rio perdem um mês a cada ano dentro de um transporte no trajeto casa/trabalho/casa. O estudo, elaborado pelo economista Vitor Mihessen, usa dados do Censo 2010 e integra a primeira reportagem da parceria entre O DIA  e a Casa Fluminense — ONG que pesquisa os problemas metropolitanos do estado.

“Tudo isso?”, espanta-se o autônomo João Tadeu Damacena, de 53 anos. Técnico em manutenção, João mora no bairro Santa Lúcia, em Duque de Caxias, na Baixada, e gasta três horas por dia para ir e voltar ao Rio, de segunda a sexta-feira. “Se eu tivesse essas horas, faria cursos de aperfeiçoamento”, sonha o trabalhador, que na década de 80 desistiu do 3º ano do Ensino Médio por dormir nas aulas. “Não aguentava.”

INFOGRÁFICO: Veja mais detalhes sobre o tempo perdido nos transportes

Mas há quem perca mais tempo ainda: 227.931 fluminenses responderam ao Censo que ficam 4h30 numa condução, diariamente. Nesses casos, é como se eles passassem 45 dias por ano dentro de um transporte. Outros 1,5 milhão de metropolitanos gastam uma hora e meia no percurso. A matemática, perversa, é o resultado da soma da deficiência do transporte público com a ausência de uma política de descentralização econômica que leve investimentos para fora dos grandes centros urbanos. Ela também multiplica a quantidade de pessoas sem oportunidades por falta de qualificação.

“Quanto maior o tempo de deslocamento, menor a disponibilidade para a educação e participação na força de trabalho”, aponta o professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Eduardo Young, também da Casa Fluminense.

O círculo é vicioso: o indivíduo com baixa qualificação tem rendimento menor e, por isso, mora mais longe e gasta mais tempo no deslocamento. A qualificação, que poderia elevar sua remuneração, é um sonho distante. “As deficiências no transporte público são mecanismos de exclusão social”, acrescenta Young.

A pesquisa de Mihessen cruza dados do universo de 5,4 milhões de habitantes de 19 municípios do Rio e Grande Rio. A ligação entre tempo perdido e trabalho informal salta aos olhos. Em Paracambi (79%), Guapimirim (77%) e Magé (69%), por exemplo, a maior parte dos trabalhadores não sai dos municípios. Como há parcas ofertas de emprego, o trabalho informal dispara. Guapimirim tem a maior taxa de trabalhadores sem carteira assinada (51%), seguido de Magé (46%) e Paracambi (45%). A (má) acessibilidade ferroviária é uma das explicações do problema.

“Os trens novos vão até Saracuruna. Dali em diante, até Guapimirim, somos obrigados a baldear para trens a diesel, antigos, porque a bitola dos trilhos é menor que a das composições modernas”, lamenta-se Tadeu.

ONG propõe horários alternativos e descentralização

Além do investimento maciço na melhoria no transporte público sobre trilhos, a descentralização dos polos econômicos em direção às periferias e a criação de horários alternativos de expediente são algumas das soluções apontadas pelo economista Vitor Mihessen. “O passivo da mobilidade pode ser reduzido se empregos e novas formas de inserção no mercado de trabalho forem levados para áreas periféricas — hoje, majoritariamente residenciais”, opina.

Para ele, é preciso ainda capacitar a mão de obra destes locais e apoiar o empreendedorismo nos novos polos. Tudo isso, ressalta, faz parte de um pensamento macro da metrópole. “Isso diminuiria a informalidade nos postos de trabalhos e aliviaria a pressão sobre a rede viária urbana”, ressalta.
Se essa solução fosse aplicada em Japeri, por exemplo, 44% da população ativa economicamente que hoje deixam o município para trabalhar no Rio, continuariam naquela área. E em Guapimirim não haveria 51% de pessoas que preferem trabalhar sem carteira assinada para permanecer nas proximidades de suas residências.

Outra solução para evitar o ‘comportamento de manada’ — enormes contingentes vindos de todos os cantos da metrópole diariamente, adensando o Centro do Rio (onde há mais oportunidades de emprego e salários melhores) — é a criação de horários alternativos de trabalho. “Isso evitaria os gigantescos congestionamentos”, defende Vitor.

Ele cita ainda a tese do sociólogo Domênico de Masi, que enxerga na tecnologia a oportunidade de mudar as relações de trabalho. “Muitas profissões poderiam ser exercidas em casa ou em ambientes compartilhados, como já existe em São Paulo, próximos da residência.”

Perda na produtividade 

O drama do tempo perdido nas conduções afeta diretamente os municípios mais distantes. Em Japeri, 44% dos moradores se deslocam para o Rio e 42% têm ocupação próxima de suas casas. Dos obrigados ao deslocamento, 30% gastam três horas em média no trajeto casa/trabalho/casa — o que demonstra a precariedade no transporte e a falta de oportunidades no próprio município, já que a pessoa é ‘obrigada’ a se submeter às perdas.

Para Carlos Eduardo Young, a redução do tempo traria benefícios para o aumento da produtividade e para políticas de educação, qualificação e inclusão social. “São horas de trabalho e lazer desperdiçadas, poluição sonora, combustível e emissão de gases, o que resvala em mais gastos na Saúde”, pondera.

Já no Rio, 98% das pessoas moram e trabalham no município, o que ilustra a concentração de emprego nessa região. Em Itaguaí e Seropédica, 82% e 72%, respectivamente, permanecem no município. A oferta de emprego deve-se ao Porto de Sepetiba, à Universidade Federal Rural e aos empreendimentos atraídos por eles.

R$ 3,3 bilhões  para os trens

Quem mora entre Guapimirim e Saracuruna vai continuar sofrendo com a baldeação. Segundo a SuperVia, os investimentos já estão contratados, mas o prazo é de até cinco anos. A empresa investirá R$ 3,3 bilhões no total — até agora, R$ 800 milhões foram para a compra de 110 trens, troca de 100 km de trilhos, instalação de 70 mil dormentes, substituição de 80 mil metros da rede aérea, reforma de estações e reforço na sinalização.

Matéria originalmente publicada no jornal O Dia

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