Respeite Nosso Sagrado – pelo fim do racismo religioso

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Texto por
Comunicação Casa
Data
24 de novembro de 2017

O racismo religioso possui um histórico extremamente perverso ao longo da história do Brasil. A perseguição e criminalização de todas as manifestações culturais e religiosas de raízes africanas é tão antiga quanto a escravização dos povos que viveram sua diáspora forçada para a manutenção da estrutura econômica colonial portuguesa e posteriormente ao longo do império brasileiro. Mas, como diria o escritor Millôr Fernandes, a história do nosso país tem um enorme passado pela frente, e as consequências dessa conformação violenta do Estado tem suas marcas até os dias de hoje.

Durante os primeiros anos da Primeira República, o estado brasileiro formulou a criminalização das práticas religiosas de matriz africana nos termos de sua lei penal e na própria constituição de 1891. Os rituais religiosos dos descendentes das pessoas escravizadas foram classificadas como curandeirismo, feitiçaria, exercício ilegal da medicina dentre outras categorias. Essas leis tiveram consequência direta na atuação de seus aparelhos de estado, sobretudo a polícia judiciária da época, que justificava a violência e suas batidas em terreiros de umbanda e candomblé baseada em tais leis. As peças sagradas apreendidas pela polícia passam então a ser expostas como provas de crimes, ao lado de armas, bandeiras nazistas, “aberrações” da natureza, dentre outros itens considerados como anormais, construindo um imaginário depreciativo com relação às manifestações religiosas dos negros no Brasil. Tais peças passam a integrar a “Coleção Magia Negra” do Museu da Polícia Civil e até hoje compõem parte do acervo do museu da instituição que perseguiu violentamente os povos tradicionais de terreiro.

Em 1938, a coleção das peças sagradas do Museu da Polícia Civil é tombado pelo antigo Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico Nacional, com o intuito de preservar tais peças a partir de uma perspectiva mais respeitosa com relação às religiões de matriz africana. Mesmo assim, elas não são libertas do referido Museu, sendo expostas até o final dos anos 90 praticamente da mesma forma descrita anteriormente, quando o acesso às dependências da instituição é fechada para uma suposta reforma do prédio. Atualmente, essas peças ficam encaixotadas em salas, para dizer o mínimo, com condições extremamente inadequadas: em caixas de papelão, sem ar condicionado e sem o devido cuidado que merece toda e qualquer peça religiosa, tombada ou não.

Nos últimos anos, se intensificou, por parte de grupos religiosos, militantes dos direitos humanos, pesquisadores e políticos, a reivindicação para a libertação dessas peças e sua devida repatriação. A campanha “Liberte Nosso Sagrado” é uma das forças nesse espectro de luta. Uma diligência da comissão de direitos humanos da Alerj foi feita em meados desse ano, constatando o péssimo estado de conservação e preservação das peças sagradas. No último mês de outubro foi feita uma audiência pública, também na Alerj, com a intenção de se chegar a um consenso de que as peças devem sair do Museu, serem restauradas, e repatriadas segundo as resoluções dos verdadeiros interessados na questão, os religiosos da umbanda e do candomblé.

O documentário “Nosso Sagrado”, produzido pela Quiprocó Filmes, está sendo produzido no contexto da campanha e busca investigar o processo de perseguição, por parte do Estado, às religiões de matriz africana, através do depoimento de líderes religiosos, pesquisadores e políticos. O filme também visa revelar a dimensão sagrada dessas peças, os motivos por que elas devem sair do museu e o tamanho do crime cometido contra o direito à liberdade de culto, sobretudo, aquele que se baseia no racismo religioso, tão entranhado nas nossas sociedade e instituições.

A estreia do filme será no dia 11 de dezembro deste ano, no Circo Voador, e contará com a presença dos diretores e daqueles que participaram de forma decisiva ao longo do processo de produção do documentário. O evento também contará com um debate logo após a exibição do filme, e uma roda de samba para manter acessa nossa luta e esperança para libertar o sagrado do lugar em que nunca deveria ter ficado preso.

Confira aqui o evento para a estreia do filme!

Fernando Sousa –Diretor da Quiprocó Filmes. Dirigiu, com Tais Capelini e Alexandre Borges, o documentário “Intolerâncias da Fé” [Canal Futura], além de assinar o roteiro e a produção do filme. Junto com a Stela Guedes Caputo, dirigiu o vídeo “Axé com Freixo”, realizado no âmbito da candidatura de Marcelo Freixo para a prefeitura do Rio de Janeiro. É um dos colaboradores da campanha Liberte Nosso Sagrado e é um dos diretores do documentário “Nosso Sagrado”.

Gabriel Barbosa – Diretor da Quiprocó Filmes. Cursa o doutorado em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF). É pesquisador associado ao Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro/IFCS-UFRJ). É um dos colaboradores da campanha Liberte Nosso Sagrado e é um dos diretores do documentário “Nosso Sagrado”.

Jorge Santana – Coordenador da campanha Liberte Nosso Sagrado. É professor de História e Mestre em Ciências Sociais. É um dos diretores do documentário “Nosso Sagrado”.

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