Planejamento urbano e mobilidade: o mau exemplo do Minha Casa Minha Vida no Rio

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Texto por
Silvia Noronha
Data
2 de julho de 2015

Independente do debate sobre a eficiência na redução do déficit habitacional, o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), o maior do gênero já implementado no Brasil, amplia e reforça as desigualdades socioeconômicas relacionadas à falta de planejamento urbano e de mobilidade na metrópole do Rio de Janeiro. É a conclusão de especialistas ouvidos pelo ForumRio.org.

A região metropolitana concentra 83% do total de unidades (99.715) contratadas pelo programa para o estado do Rio. Só na capital, estão mais de 56 mil unidades. Destas, 55,4% estão concentradas na zona oeste, principalmente nos bairros de Cosmos, Santa Cruz e Campo Grande, três dos mais afastados do Centro.

Na região central, onde estão 35,4% dos empregos formais, são apenas 1.958 unidades. Trata-se basicamente do conjunto construído onde funcionava o presídio da Frei Caneca, no Estácio.

No total da cidade, a zona oeste concentra 27% dos moradores e oferece somente 11% dos postos de trabalho. A zona norte, a mais populosa, possui 38% dos habitantes e 22,6% das vagas.

Pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos do CPDOC/Fundação Getúlio Vargas, a antropóloga Mariana Cavalcanti acredita que o cerne dos conflitos urbanos está justamente na tensão entre planejamento urbano e mobilidade. A outra grande questão é a segurança pública. “A partir destes três pontos, temos todos os campos políticos de disputas, do ponto de vista da metrópole, do aspecto territorial”, afirma.

Mapa MCMV - Lucas Falhauber

Unidades do Minha Casa Minha Vida na cidade do Rio (Mapa: Lucas Faulhaber)

Migração para a Baixada Fluminense

O sociólogo Samuel Thomas Jaenisch, pesquisador do Observatório das Metrópoles, alerta para a reprodução de antigos problemas. Segundo ele, na segunda fase do MCMV, os projetos começaram a migrar para a Baixada Fluminense: “Na faixa 1 [famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos], as unidades são distribuídas por sorteios e as construtoras têm muito mais liberdade de decidir onde será o terreno. A pessoa fica obrigada a aceitar uma das ofertas para não ir para o final da fila de novo”, explica.

Samuel diz que o MCMV para a faixa 1 desloca um grande número de famílias para regiões no limite das áreas urbanizadas. São empreendimentos que chegam a duas mil unidades, escala que dificulta a inserção dos beneficiados na malha urbana existente.

O conjunto habitacional Valdariosa, por exemplo, está situado na periferia do município de Queimados e recebeu cerca de 1.500 famílias. Um exemplo positivo seria o Bairro Carioca de Triagem, construído pela prefeitura do Rio, que recebeu famílias que viviam antes em outros bairros da própria zona norte.

“Na história das políticas do Rio, sempre tivemos esses deslocamentos. Cidade de Deus [construída em 1960 pelo governo Carlos Lacerda ao remover moradores de outras favelas] e Vila Kennedy [de 1964] são dois exemplos. No MCMV, isso continua. No geral, os projetos ficam em áreas de expansão urbana, com carência de serviços públicos, além de comércio e transporte, para se conectar com o resto da cidade. Os projetos impactam a mobilidade. São mil famílias tendo de se deslocar para o Centro ou para a Barra para chegar ao trabalho”, analisa Samuel.

Quebra do “arranjo carioca”

A quebra de um “arranjo carioca” proporcionado pelas favelas inseridas em áreas urbanizadas, que permite ao morador da favela do Pavão-Pavãozinho ter oportunidades de trabalho em Copacabana, perto de casa, ou o habitante do Borel em relação à Tijuca, entre outros exemplos, preocupam os especialistas. Alterar esta configuração implica em custos financeiros e até afetivos para as famílias. Para Samuel, as distorções do desenho institucional do MCMV facilitam esse processo.

“As empresas não fazem política pública, fazem negócio. Tentam minimizar seus custos com a compra do terreno. Isso faz parte do mercado e deveria ser papel do poder público não deixar só na mão das empresas. As empresas não trabalham com planejamento urbano de longo prazo, isso é com o poder público”, acentua.

Antes do MCMV, acrescenta o pesquisador, o Ministério das Cidades estava trabalhando em outro modelo de política habitacional, que previa várias alternativas: construção de unidades novas, reforma de unidades subutilizadas, urbanização de favelas e ocupação de prédios abandonados em áreas centrais. Com a criação do programa, a única opção de política habitacional passou a ser a construção de unidades novas.

Além da localização, outra crítica aos projetos do MCMV é o fato de não preverem uso misto, aliviando os meios de deslocamento. “Para muitas pessoas com renda de até três salários mínimos, a casa não é só moradia. Ela é oficina, é lugar de trabalho. Nesses condomínios do MCMV, isso não é considerado. Essa incompreensão está na base do fracasso de muitos programas na hora de reconhecer o direito à moradia. Com essa incompreensão do Estado, as pessoas não conseguem pagar o condomínio e começa a dar problema. Isso é coisa que sabemos desde a implementação da Vila Kennedy”, afirma Mariana Cavalcanti.

Distribuição territorial das unidades do MCMV no estado do Rio

Rio de Janeiro: 56.733

Belford Roxo: 9.475

São Gonçalo: 6.056

Duque de Caxias: 5.596

Nova Iguaçu: 5.309

Outros: 16.546

Distribuição territorial das unidades do MCMV na capital

Zona Oeste (AP5): 31.446

Zona Norte (AP3): 14.654

Barra, Jacarepaguá (AP4): 7.478

Centro e região (AP1) – 1.958

Tijuca e região (AP2) – 47

Fonte: Observatório das Metrópoles/Núcleo Rio de Janeiro. Dados das unidades contratadas pelo MCMV até dezembro de 2012.

Zona oeste e a crise da mobilidade

Doutor em urbanismo e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Juciano Rodrigues ressalta que a reprodução das desigualdades por meio da política de mobilidade se traduz na prioridade para o transporte particular.

“Quando olhamos para os projetos de mobilidade para a Copa, boa parte se concentrava no modelo particular. No TransOeste, que liga a Barra a Santa Cruz e Campo Grande, que foi o primeiro BRT [inaugurado em 2012], foram construídas as duas calhas para os ônibus articulados e, em boa parte do percurso, cinco pistas de rolamento de cada lado. Parece até que é uma desculpa para implementar mais infraestrutura viária. É claro que esta infraestrutura está ali para atender a uma parcela da população que não vai usar o BRT”, afirma.

A crise da mobilidade gera também impactos econômicos: crescimento da informalidade, redução da participação das pessoas em idade ativa ocupadas ou procurando ocupação e aumento dos chamados “nem, nem, nem”: o contingente populacional que nem trabalha, nem estuda, nem procura emprego.

Coordenador de informação da Casa Fluminense, Vitor Mihessen sugere duas saídas: políticas de desenvolvimento econômico de incentivo aos distritos industriais e aos arranjos produtivos locais (APLs), que trarão retorno no longo prazo, e o fortalecimento do empreendedorismo, além da adoção de home office nos locais com déficit de emprego: “Até existe estímulo ao empreendedorismo, mas não nas áreas com maior tempo de deslocamento”.

Um exemplo positivo citado por Vitor aconteceu no bairro de Del Castilho, na zona norte do município do Rio. Um shopping de grande porte foi construído próximo às estações de trem e metrô. Outras empresas estão se instalando no entorno. Em contraste, “no Porto Maravilha, a ideia seria colocar a moradia próxima à oferta de emprego, mas, pelo contrário, há pessoas saindo pela gentrificação”, sinaliza Vitor.

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