O realismo fantástico de um subúrbio em transe

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Texto por
Larissa Amorim
Data
23 de março de 2016

Sentados numa mesa de bar em Vista Alegre, Luiz, Hugo e Rodrigo discutem atividades culturais para o simpático bairro da zona norte do Rio. Entusiastas de narrativas plurais sobre esse território cultural chamado “subúrbio”, os três encaram o desafio de contar histórias que ultrapassem o estigma da homogeneidade e da violência, típica dos grande noticiários.

Luiz Cláudio Motta e Hugo Lablanca são integrantes do cineclube Subúrbio em Transe, que recebeu a alcunha em homenagem a Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha e ao subúrbio. A combinação destes dois elementos sintetiza o conceito do cineclube: “estamos em transe. Nessa zona, que está localizada entre a realidade e o sonho, sempre debatendo as perspectivas que queremos buscar. A gente traz o cineasta para debater, traz a galera do subúrbio e os filmes produzidos por eles para serem exibidos”, conta Luiz.

suburbio em transe (1)

A semente do cineclube começa a ser germinada na Escola Municipal Grécia, em Vista Alegre, onde Luiz Cláudio, geógrafo de formação e cineasta por natureza, dava aulas de audiovisual no núcleo de arte. A proposta era discutir a geografia local e a experiência cotidiana dos moradores do bairro a partir das mídias. Incentivados a manifestar uma visão crítica sobre seu território, os alunos produziram documentários, videoclipes, ficções e animações para expressar inquietações e expectativas.

O projeto ultrapassou os muros da escola, levando mestre e alunos a buscar espaços alternativos para exibição regular de filmes, com a participação em festivais de cinema ampliando a dimensão do que estava sendo realizado ali. Em 2005, o videoclipe Alienação foi selecionado para o Vídeo Fórum, uma categoria da Mostra Geração do Cineclube do Festival do Rio. “Foi a primeira vez que os organizadores do Festival  percorreram vários espaços de Lona, entre elas a de Vista Alegre. Foi quando tivemos o estalo de fazer o cineclube ali”.

A primeira produção do cineclube e primeiro longa-metragem da oficina de vídeo do núcleo de arte da E.M. Grécia foi Alma Suburbana (2007), documentário que debate a questão do subúrbio carioca pela perspectiva da cultura, do espaço e da organização social. A narrativa é construída a partir da fala de moradores de diferentes bairros em contraste com a percepção de pessoas que vivem fora deles. “É o documentário que leva a gente para a produção”, relembra Luiz.

Sem um público-alvo específico, o Subúrbio em Transe é um espaço de encontro para troca de ideias sobre o rico imaginário suburbano carioca e reflexões sobre as questões que afetam estes territórios diretamente. A curadoria seleciona filmes nacionais independentes, curtas, video-arte, cinema estrangeiro, clássicos e filmes de cineastas locais. Com um acervo rico, Hugo explica a regra de ouro do cineclube: “tentamos sempre ter alguém da equipe do filme para ir na exibição discuti-lo”.

Além das sessões regulares, o grupo conta hoje com um canal no youtube para exibir os produtos audiovisuais de sua autoria. “No início eu não conseguia entender como a gente ia fazer um cineclube e uma produtora. Me perguntava se a gente realmente podia fazer um filme”, conta Hugo. A relação com outros cineclubes pela metrópole fluminense potencializou o movimento cinematográfico contra narrativo do Subúrbio em Transe. Eles têm parceria hoje com o Cine Donana, de Belford Roxo; o Cinema de Guerrilha da Baixada, de São João de Meriti; o Cine Subúrbio, do Sesc Ramos; o Itacine, de Itaguaí; o Cineclube Atlântico Negro, no Centro; e o Mate com Angu, em Duque de Caxias.

Além de Glauber Rocha, o projeto se inspira na produção de Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Coutinho e João Moreira Salles. A preferência pela linguagem documental abriu possibilidades de criação para falar sobre a realidade do bairro em que vivem e apurou o senso de observação sobre a história de personagens locais marcantes, desconhecidos até mesmo por quem mora na região.

Frequentador do Subúrbio em Transe, Rodrigo Bertamé compartilha a militância cultural. Arquiteto, ele está desenvolvendo sua dissertação de mestrado no PROURB/UFRJ a respeito da divergência entre cariocas sobre os limites geográficos do subúrbio. Em 2011, Rodrigo se uniu ao coletivo  Suburbagem, que promove eventos de rock em Vista Alegre desde 1998. Ele conheceu Hugo Lablanca em uma ocupação cultural no bairro e deste encontro surgiu a conexão entre os dois coletivos. Por indicação do Suburbagem, a primeira sessão do cineclube em 2016 vai exibir o filme Rock Maya – A História do Underground, de Jorge Rocha, sobre o movimento musical alternativo no bairro de Rocha Miranda. A sessão, que acontece no próximo dia 31,  será o próximo destino do Bonde da Casa, ação da Casa Fluminense que reúne associados e parceiros da rede para conhecer iniciativas culturais espalhadas pela metrópole.  

Bertamé se declara grande admirador do trabalho desenvolvido pelo Subúrbio em Transe e compartilha que descobriu novas realidades e personagens da região assistindo a produção do cineclube. Foi o caso do filme Arrastão Literário (2007), que narra a trajetória de Evandro dos Santos, pedreiro que aprendeu a ler sozinho e montou uma biblioteca em sua casa, aberta ao público. Para difundir a prática da leitura, ele peregrinava pelas ruas de seu bairro vestido de livro.

homemlivro

“Quando você vê os filmes deles, você encontra uma cidade diferente. No limite do horizonte (2012), simboliza bem isso, porque o mundo real do filme é a realidade do nosso bairro, mas ela se torna elemento fantástico na tela. É uma história comum sobre uma menina que se apaixona por um cara e tem uma briga romântica. Mas aí ela encontra um senhor vestido de homem-livro, distribuindo panfletos para incentivar crianças a lerem na biblioteca pública que ele mesmo construiu. Você reconhece na tela gente que anda pelo bairro de fato, mas que as vezes parece mais ficção do que realidade”, comenta Bertamé.

Filiado à Associação de Cineclubes do Rio de Janeiro (Ascine-RJ) e ao Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), o Subúrbio em Transe ganhou recentemente o Prêmio Curta Rio em uma competição com mais de 400 projetos. Eles receberão patrocínio da Ancine para a realização do filme Cine Vaz Lobo, conquista importante para a equipe, que pela primeira vez capta recursos para levar o subúrbio para além dele.

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