Lama olímpica: Brasil já perdeu a meta de sanear Baía de Guanabara até 2016

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Texto por
Rogerio Daflon
Data
29 de novembro de 2014

A meta olímpica relacionada à despoluição da Baía de Guanabara não será alcançada. Ponto. Agora, é deixar de lado o inatingível compromisso com o Comitê Olímpico Internacional (COI) e levar a sociedade fazer um trato com ela mesma. Até integrantes do governo do Estado dizem que, sem as pressões das ruas, será impossível o sonho de ver a nossa boca sem dentes – como o antropólogo Levi-Strauss a interpretou -, não só bela como limpa. Como o combinado era apresentar uma baía 80% saneada para os Jogos de 2016 no Rio, já que ela será palco das provas de vela, o primeiro sinal de lucidez será a admissão de que, nesse sentido, o Brasil vai ficar fora do pódio e causará má impressão. Não é exagero. Este ano, a velejadora brasileira Martine Grael encontrou um monitor de TV na baía e fez uma foto como se assistisse a alguma coisa. Rir para não chorar.

Vice-prefeito de Niterói e tio de Martine, Axel Grael recorda que, nas Olimpíadas da Austrália, em 2000, a poluição da Baía de Sydney era alvo de críticas, embora já tivesse equacionada a questão do tratamento de esgoto. “O governo australiano simplesmente contratou o Greenpeace para fiscalizar todo o cronograma de limpeza da baía”.

Engenheiro florestal e ambientalista, Axel foi buscar um exemplo na Oceania, a fim de cutucar a falta de organização quanto à gestão da baía. Aliás, a pergunta que vem à mente de quem é apaixonado pela baía é: quem cuida dela? A resposta é difusa. A Capitania dos Portos? A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) As indústrias à beira da baía? A Companhia Docas? Os municípios do entorno? O Comitê de Bacia da Baía de Guanabara? Todos têm responsabilidade, mas não há um maestro a reger toda a mobilização que cerca esse contraditório cartão postal.

Martine Grael na Baía de Guanabara

Martine Grael na Baía de Guanabara

O atual coordenador do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, Gelson Serva, vinculado à Secretaria estadual do Ambiente, é parcimonioso ao falar sobre a frustração da meta olímpica. É difícil para ele dar um fim à ilusão criada pelo próprio governo onde trabalha. Gelson, contudo, diz que a sociedade tem de cobrar metas mais precisas para a baía e fiscalizá-la regularmente. Para isso, acredita ele, é necessário não só criar uma governança para a baía como também um órgão regulador que olhe com lupa para suas atividades.

A própria Cedae, órgão fundamental para a despoluição da baía, terá uma agência reguladora em 2015, um avanço tardio, mas um avanço. A sociedade civil precisa, de qualquer forma, esquentar esse debate. Há fatos absolutamente absurdos encobertos por um imenso silêncio. A Estação de Tratamento de Esgoto de São Gonçalo, por exemplo, depois de ter sido inaugurada quatro vezes, funciona bem abaixo de sua capacidade: poderia processar até 800 litros por segundo, mas foi reaberta com a perspectiva de tratar apenas 300. A Baixada Fluminense, por sua vez, por não ter o seu esgotamento sanitário equacionado, leva grande poluição à baía, sobretudo através dos rios que nela desaguam e que cruzam os 15 municípios do seu entorno. “O que ocorre com a Baía tem a ver, fundamentalmente, com a falta de saneamento básico da Baixada Fluminense de São Gonçalo. Ou seja, o crescimento desordenado desses municípios tem como conseqüência uma baía repleta de esgoto e lixo”, diz Gelson.

Os desafios, como se vê, são enormes. E mais duas fragilidades para enfrentá-los são apontados pela professora Ana Lúcia Britto, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ.  Em seus trabalhos acadêmicos, ela deixa claro que o Comitê de Bacia da baía de Guanabara, por incrível que pareça, não consegue ter uma atuação regional. E a Cedae, responsável pelo saneamento básico no estado, não cumpre as suas promessas de um plano factível para sanear a Baixada, São Gonçalo e algumas favelas como as do Complexo do Alemão, na capital. Ela recorda que, por causa disso, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) se afastaram do programa de despoluição da Baía de Guanabara em 2006, em meio à frustração de objetivos não cumpridos do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, iniciado em 1994.

Uma conclusão importante da professora sobre esse período foi “a ausência de uma real avaliação da capacidade financeira do governo do estado de arcar com a contrapartida requerida, pois a falta de recursos financeiros foi a  justificativa alegada pelos diferentes governos para não realizar as obras que lhes cabiam”. Por causa disso, aconteceram aberrações como as estações de Pavuna e Sarapuí, construídas sem que os respectivos coletores-tronco e redes estivessem prontos – ou seja, uma obra caríssima que ficou com a capacidade produtiva totalmente comprometida, deteriorando-se. Para Ana Lúcia Brito, entre 1994 e 2006, com o governo do estado operando com recursos internacionais, o debate do poder público com a sociedade civil organizada sobre o destino da Baía de Guanabara foi extremamente frágil e inconstante. Deu no que deu.

Diante de tanta incompetência e mau uso do dinheiro público, a equipe dos Estados Unidos de vela olímpica já enviou técnicos á baía a fim de fazer testes sanitários. Nela, haverá, nos Jogos de 2016, 324 atletas e 250 embarcações de mais de 30 países.

Conselheira do Instituto dos Arquitetos do Brasil, a arquiteta Fabiana Izaga considera que as Olimpíadas de 2016 servirão agora não mais para cobrar esta ou aquela meta. “As Olimpíadas têm de servir para trazer definitivamente a sociedade para o tema da despoluição da baía. Nós, do IAB, temos uma preocupação urbanística relativa a seu entorno. O Rio virou as costas para a Baía de Guanabara. Não há urbanização em volta dela que realce sua beleza e leva às pessoas na direção do mar. Não se deve abandonar a ideia de urbanização do entorno. Ela deve caminhar junta com a despoluição. As empresas e indústrias que se instalam ali, que se beneficiam dessa localização, deveriam estar comprometidas com a qualidade urbanística”, afirma Fabiana.

A geógrafa Carla Ramôa, que fez uma cartografia social da Baía de Guanabara, olha a Baía de Guanabara sem esconder a desilusão. “Nós não vemos a presença de navios, de plataformas flutuantes e terminais como anormais…Estas são as escolhas da nossa sociedade, que refletem interesses no econômico e não no social”. Em sua dissertação de mestrado, ela relata como empreendimentos sufocam a atividade pesqueira. Carla explica que a pesca é hoje praticada em apenas 12% da superfície contínua de água da baía. Grandes empresas causadoras de impactos ambientais, como Petrobras, terminais e refinarias, pressionam a atividade pesqueira. Os rios poluídos e até mesmo a Ponte Rio-Niterói são outros fatores maléficos à atividade. ”O assoreamento em áreas da baía, lixões, cemitérios de navios e a presença também do Exército, tudo isso vai minando a atividade e imprensando o espaço dos pescadores, que chegaram muito, muito antes de toda essa infraestrutura à Baía de Guanabara”, acrescenta Carla, ressaltando que mais de 46% do espelho d’água são tomados pela atividade petrolífera.

Tudo indica que a história vai piorar com processo de licenciamento do pré-sal da Bahia de campos e a inauguração do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí.

Presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar (AHOMAR), o pescador Alexandre Anderson de Souza vem denunciando não só o abuso das atividades econômicas contra a pesca artesanal, mas também os atentados que ele e sua mulher sofreram e a morte de seis pescadores na Baía de Guanabara. Alexandre conta que a reação da segurança dos empreendimentos é a pior possível em relação à presença dos pescadores na Baía de Guanabara. “Embarcações nossas já foram recebidas a tiros. Em 2010, visitamos 28 comunidades que beiram a Baía de Guanabara de Niterói a Duque de Caxias. Em todas elas, a pesca estava acabando. E isso é devido à perda do território, principalmente para empreendimentos petrolíferos. É uma expulsão dos pescadores. Boa parte deles está abandonando a profissão ou, diante da crise da atividade, sendo sustentados por terceiros” – diz Alexandre, que vive sob proteção policial e sugestionado pelo desaparecimento de dois pescadores e o assassinato de quatro deles.

A Baía de Guanabara, portanto, é um problema social, ambiental, urbanístico e metropolitano. Aproveitar a frustração olímpica para discuti-la a sério pode dar algum sentido às Olimpíadas de 2016.

Foto de capa: Ana Pinta

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