Gestão de resíduos nem bem deslanchou e já registra retrocessos

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Comunicação Casa
Data
15 de maio de 2017

Por Silvia Noronha

Dentre os sete indicadores monitorados pela Casa Fluminense no recém-lançado Painel de Monitoramento: Instrumentos de gestão municipal no Rio metropolitano, o Plano de Resíduos Sólidos está entre os mais desconsiderados pelas administrações públicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Dos 21 municípios, apenas três (Niterói, Rio e São João de Meriti) elaboraram o documento; e mesmo nestes, a avaliação qualitativa não é boa. A situação do país, de maneira geral, também não é quase nada positiva. As razões são muitas, como veremos a seguir, nesta primeira reportagem do CasaFluminense.org sobre o tema.

Segundo Luciana Freitas, vice-presidente do Observatório da Política Nacional de Resíduos Sólidos; e Antonio Oscar Vieira, pesquisador da UFRJ, onde coordena a Rede de Informação e Pesquisa em Resíduos (RIPeR), mesmo os municípios que possuem o plano falharam no quesito participação popular durante a elaboração e mais ainda durante a implementação do documento.

A exigência dos planos foi instituída pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – lei 12.305/2010 –, que trouxe vários avanços. Entre eles está justamente fomentar a ferramenta de gestão do setor nos âmbitos nacional, estadual e municipal. Os planos são considerados fundamentais para se ter o diagnóstico da situação atual e, a partir daí, permitir o planejamento, apontando objetivos e metas de curto, médio e longo prazos e como cada avanço será atingido. Os documentos devem ter um alcance de 20 anos, passando por revisões a cada quatro anos. Além disso, todas as fases devem contar com controle social.

O prazo para a elaboração do documento venceu em 2 de agosto de 2012. Os entes federativos que descumpriram a exigência não podem ter acesso a recursos da União ou por ela controlados (como da Caixa e do BNDES, por exemplo), destinados ao setor de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Mesmo quem elaborou o plano só pode pleitear recursos federais para ações respaldadas pelo documento. Em períodos de crise fiscal como o de hoje, é de se esperar que essas penalidades percam força. Outro aspecto elogiado da PNRS é preconizar soluções integradas, compartilhando responsabilidades entre o poder público, o setor empresarial e a sociedade.

 

Aterro sanitário na berlinda

Em relação ao que já foi feito na RMRJ, Luciana e Antonio Oscar apontam outro problema comum: a priorização dos aterros sanitários como solução para a destinação dos resíduos sólidos, em detrimento da coleta seletiva e da compostagem, que pouco ou nada avançaram. Nesse ponto, o plano estadual contribuiu para se chegar a esse resultado. A meta do governo do estado de acabar com os lixões até 2014, como previa a PNRS, era positiva, mas não deveria ter focado os aterros sanitários como solução única.

“O plano é justamente para isso. Faz o diagnóstico para definir a política. A destinação custa dinheiro e aí entram os interesses econômicos. Hoje você tem grandes empresas poderosíssimas que são as criadoras e gestoras de aterros, que financiam as campanhas [eleitorais], principalmente municipais. Por isso também que a lei não avança: os interesses das empresas do setor”, ressalta Antonio Oscar.

Luciana faz avaliação na mesma linha e lembra ainda do papel do empresariado na PNRS. “Onde falhou o plano? Primeiro, o aterro como solução principal. Vários municípios do país não conseguiram financiar seus aterros, mesmo estando consorciados. Segundo, as empresas não assumiram seu papel público na logística reversa. A lei manda que elas recolham as embalagens que botaram no meio ambiente e isso custa. Enquanto elas não pagarem por isso, vai seguir como está, porque colocam a conta no governo, que não tem dinheiro, e quando tem, não usa como se deve”, enfatiza ela.

Antonio Oscar lembra que 70% dos recicláveis correspondem a embalagens pós-consumo. “As empresas produzem, vendem, ficam com o lucro e o Estado fica com o custo da destinação desses materiais”, critica ele.

 

Lixões voltam a funcionar

Em tempos de crise econômica, o resultado da “escolha” pelos aterros sanitários já pode ser visto. Vem ocorrendo retrocesso até na destinação para esses depósitos, porque os gestores públicos não estão pagando a conta. Para depositar o lixo em um local como esse, paga-se entre R$ 50 e R$ 70 por cada tonelada.

Sendo assim, neste momento de crise fiscal, as prefeituras voltaram a usar lixões clandestinos, conforme alerta a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), entidade que reúne os interesses das companhias que gerenciam tanto aterros como grandes projetos de reciclagem e de coletas especiais. Em entrevista ao jornal O Globo, a própria Abrelpe diz que a coleta seletiva e a reciclagem são duas soluções previstas na PNRS que reduziriam a conta dos municípios.

A dívida relativa ao uso de 17 aterros sanitários fluminenses já chega a R$ 500 milhões, segundo a entidade. Boa parte desse montante é devido por prefeituras da RMRJ, como a capital, Itaboraí, Maricá e São Gonçalo. Ainda de acordo com a Associação, o número de lixões no estado subiu de 17, em 2015, para 29, este ano, um retrocesso significativo na implementação da PNRS. Entre os depósitos a céu aberto que voltaram a funcionar estão Gramacho, em Duque de Caxias; Itaóca, em São Gonçalo; e Babi, em Belford Roxo.

Para seguir a PNRS, o aterro sanitário deveria figurar como última opção, tendo em vista a gestão dos resíduos sólidos ter como visão a mudança de comportamento da sociedade. A prioridade deve ser, por ordem, a não geração de resíduo, a redução do consumo, o reuso, a reciclagem, o tratamento (inclui compostagem e aproveitamento energético) e, por fim, a disposição em aterros sanitários.

Na RMRJ, portanto, não há muito o que se comemorar. A coleta seletiva na capital e em Niterói representa apenas 3% do total de resíduos produzidos, e nos demais municípios é menos do que isso, conforme salienta Luciana.

Mas em outros lugares do país há bons exemplos. “Há avanços. As prefeituras com menos de 100 mil habitantes que adotaram o programa de coleta seletiva com catador têm sete vezes mais resultados do que as outras. Ou seja, cidade pequena tem que fazer coletiva seletiva com catador e também compostagem. Aterro tem que ser a última opção. Isso já está provado”. Para municípios maiores, ela recomenda um sistema por bairro.

Entre os estados da federação, acrescenta, o que está melhor hoje é o Paraná, em função da atuação do Ministério Público. Entre as capitais, Porto Alegre despontava na liderança, mas a crise fiscal teve como consequência o recuo no fomento à reciclagem com catador.

Já a maior cidade do país, São Paulo, não é elogiada por Luciana e Antonio Oscar por ter contratado uma grande empresa para gerenciar uma usina de material reciclável, que terceirizou as cooperativas de catadores. “O que se pretendia era fortalecer economicamente as cooperativas, isso não foi viável em função desse modelo. Esse é outro risco com relação à solução a ser adotada para a coleta seletiva”, analisa Antonio Oscar.

Mesmo assim, Luciana pondera que São Paulo parece estar correndo atrás de avanços, enquanto o Rio metropolitano encontra-se estagnado.

Saiba mais no site do Observatório da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que reúne 27 instituições, e no Sistema Nacional de informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir), mantido pelo Ministério do Meio Ambiente. E acompanhe as próximas reportagens sobre o tema no portal Casafluminense.org.

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