Para além do lazer: oportunidades e desafios da maior malha cicloviária do país

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Texto por
Marcelo Cabral
Data
19 de junho de 2015

Detentor da maior malha cicloviária do país, o município do Rio de Janeiro ainda encara desafios numerosos e diversos para fazer da bicicleta um meio de transporte viável em todas as regiões da cidade, que faça parte do cotidiano da população para além do lazer. Integrada aos sistemas de transporte de massa, como trens e metrôs, além dos corredores de BRT, a bicicleta potencialmente reduz o uso do carro. É uma solução barata, limpa e saudável, que ganha espaço no debate sobre mobilidade urbana a nível local e nacional.

Por mobilização da sociedade civil e de especialistas, já é possível transportar bicicletas nas Barcas diariamente – nos últimos vagões de trens e metrôs, em certos dias e horários. Foi anunciada a construção de 30 estações de bicicletas com chuveiros e estacionamentos na capital, além das obras da chamada Ciclovia da Maré.

Por outro lado, corredores do BRT não possuem rotas cicláveis de acesso às estações, o consórcio Supervia/Odebrecht administra 102 estações de trens metropolitanos e apenas seis delas possuem bicicletários, e ainda predomina o modelo de segregação socioespacial da oferta de estrutura cicloviária, concentrada na orla.

Segundo o sociólogo e ciclista urbano Ricardo Martins, que percorre o trajeto Penha-Centro pedalando na Avenida Brasil semanalmente, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012) trata como prioridade, na ordem, pedestres, ciclistas, transporte público, veículos de carga e, por último, o carro.

“A prática representa o exato oposto”, diz ele. “Há quem busque uma cidade mais eficiente, rápida, humana e sustentável. Para todas essas opções, a bicicleta e o transporte público vêm antes do carro. Por isso, a pressão é para que a prática seja de acordo com a teoria proposta pelo próprio Estado”, completa.

Integração BRT-bicicleta ainda é insuficiente

Para o especialista, “é mais do que suficiente que o poder público siga os itens já previstos em leis existentes”. “A premissa básica e simples da estrutura cicloviária para novas construções não é atendida. Basta verificar que o corredor TransBrasil será construído sem estrutura cicloviária. O mesmo aconteceu com a TransCarioca, TransOeste e quase todas as novas construções viárias”, relata.

Realizado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, o ITDP Brasil, em março de 2015, o Relatório de Análise de Impacto do BRT TransCarioca na mobilidade do Rio de Janeiro aponta que apenas 0,1% dos usuários realiza acesso e saída das estações de bicicleta.

Segundo o estudo, apesar de algumas estações possuírem bicicletários, estes não são protegidos e carecem de ciclovias ou ciclofaixas conectando-os aos bairros vizinhos. Além disso, o corredor não é conectado ao sistema de bicicletas compartilhadas da cidade. A pesquisa foi realizada com base em 1.005 entrevistas com usuários do sistema.

Ainda segundo o relatório, o Rio de Janeiro tem uma das maiores parcelas da população que utiliza os sistemas de transporte público motorizados: 70% dos seus habitantes usam a rede para viagens diárias, contra 55% na média nacional. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, o número também é de 55%.

No caso do segundo corredor BRT em operação no Rio, o relatório do ITDP concluiu que “o BRT TransOeste não conseguiu ainda promover a valorização do pedestre e do ciclista na configuração da Zona Oeste”.

Zona Norte é preterida na expansão da malha cicloviária

Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smac), responsável pelo programa Rio Capital da Bicicleta, a cidade conta atualmente com 380km de vias cicláveis. A meta é chegar a 2016 com 450km. Inicialmente restrita à orla da Zona Sul e voltada ao lazer e turismo, a malha expandiu prioritariamente para a Zona Oeste, e de forma precária e pouco integrada para a Zona Norte ao longo dos anos.

Fundador da ONG Transporte Ativo, Zé Lobo afirma que a Zona Norte da cidade conta com 18% da estrutura cicloviária, contra 62% da Zona Oeste e 20% da Zona Sul. A proporção de infraestrutura cicloviária é de 1km para cada 12,7 mil habitantes na Zona Oeste e 1km para cada 14,5 mil habitantes na Zona Sul. Na Zona Norte, esta proporção é de 1km por 66,9 mil habitantes. Clique e confira todas as rotas disponíveis no mapa online interativo do Transporte Ativo.

Zé Lobo calcula ainda que a Zona Sul tem 1km de vias cicláveis para cada 1,2 km² de área, enquanto a infraestrutura cicloviária na Zona Oeste é de 1km para cada 4,7km². Na Zona Norte, 1km para cada 6,8 km², segundo dados de 2013.

Segundo o Transporte Ativo e a Prefeitura do Rio, havia 160 bicicletários na cidade em 2013. A meta do município é chegar a 2016 com 360. Segundo Ricardo Martins, a segurança destes equipamentos deixa a desejar: “Poucos confiam em deixar nos bicicletários atuais”.

Os investimentos previstos pelo município para o setor no Rio de Janeiro entre 2013 e 2016 chegam a 102,89 milhões de reais.

Bicicletário SuperVia - Japeri

Bicicletário da Supervia em Japeri (Foto: Divulgação)

Bicicleta no trem

A integração da malha ferroviária da Região Metropolitana com a infraestrutura adequada para a utilização da bicicleta reduziria os custos com transporte e melhoraria a qualidade de vida da população de regiões como a Baixada Fluminense, afirmam os especialistas.

A Supervia admite que seis bicicletários para as 102 estações em operação ainda é um número insuficiente, mas que mantém pesquisas de opinião com os usuários para identificar demandas e implantar novos equipamentos. Os bicicletários são gratuitos para os usuários em trânsito e custam um real por dia para quem não embarca nos trens.

As estações que contam com bicicletários são Japeri (1.000 vagas), Engenheiro Pedreira (900 vagas), Realengo (450 vagas), Bangu (450 vagas), Santa Cruz (500 vagas) e Saracuruna (700 vagas), totalizando 4.000 vagas disponíveis. Segundo informações da Supervia, o ramal Japeri é o mais utilizado, com 58% de ocupação média, seguido por Santa Cruz (21%) e Saracuruna (15%).

Estudos da concessionária confirmam que, entre os usuários dos bicicletários, a maioria (77%) usa a bicicleta como transporte complementar na jornada diária de trabalho. Outros 8% usam a bicicleta para ir à escola e 5% para atividades de lazer.

Além de facilitar a vida de quem mora longe do trabalho e reduzir o tráfego nas vias da metrópole, a bicicleta representa um importante fator na diminuição de emissão de poluentes na atmosfera. Segundo a Smac, 1,5 milhão de viagens de bicicleta são realizadas diariamente no Rio de Janeiro, capital inserida em uma região metropolitana onde 77% dos gases poluentes são provenientes do tráfego de veículos motorizados.

Para Vitor Mihessen, especialista em mobilidade urbana da Casa Fluminense, “nas periferias, o uso das bicicletas é alto, ainda que sem nenhum incentivo público, a não ser o alto custo dos outros transportes. Nesses territórios, para conseguirmos pensar na bicicleta como meio de transporte, precisamos supor que elas estejam integradas aos sistemas de alta capacidade, sobretudo aos trens”.

Rota cicloviária da Maré

Juntamente com as obras do BRT TransBrasil, a Prefeitura do Rio implementa a pioneira rota cicloviária do Complexo da Maré. Serão 22km de ciclofaixas e faixas compartilhadas (pista e calçada) na Avenida Brasil e cruzando as ruas internas das favelas. O investimento público é de sete milhões de reais, com prazo de um ano para ser entregue. As obras foram iniciadas em março de 2015. Segundo dados da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré, mais de 130 mil pessoas vivem na região.

Um dos monitores do Maré sem Fronteiras (sistema de compartilhamento de bicicletas comunitário), Bhega torce para que as novas vias cicláveis tenham manutenção, sinalização e fiscalização adequadas, para que, de fato, atendam às necessidades da população.

“Muitos trabalham mais longe, no Fundão (campus da UFRJ), por exemplo, e a ciclovia vai ajudar muito. Mas ali onde ela vai passar tem muito comércio. Tomara que respeitem a ciclovia. No começo, tudo funciona direitinho. Depois, as coisas começam a dar errado. Já existe uma ciclovia de 900 metros no Piscinão de Ramos. Vamos ver como essa da Avenida Brasil vai funcionar”, afirma.

O sociólogo Ricardo Martins confirma o alerta de Bhega. Segundo ele, “as ciclovias que estão fora da Zona Sul muitas vezes deixam a desejar, sem sinalização vertical (placas suspensas) ou horizontal (na pista). Dessa forma, pedestres, camelôs e carros invadem a ciclovia, que acaba em desuso. Isso quando a obra não é feita de modo que a trafegabilidade por bicicleta se torne difícil ou impossível. Espero que o processo de aprendizado se conclua bem na Maré”.

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