As etapas da limpeza da Baía de Guanabara

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Texto por
Silvia Noronha
Data
20 de janeiro de 2015
Obras de saneamento da Ilha de Paquetá, em setembro de 2014. Foto Natasha Montier/GERJ

Obras de saneamento da Ilha de Paquetá, em setembro de 2014. Foto Natasha Montier/GERJ

Descartada a possibilidade de ver a Baía de Guanabara saneada para as Olimpíadas, como mostrou reportagem publicada no forumrio.org, é hora de entender tintim por tintim o que já foi feito e o que falta fazer para limpar o cartão postal metropolitano.  Os especialistas explicam que o saneamento da Baía de Guanabara requer planejamento de longo prazo. São necessários no mínimo 20 anos de ações ininterruptas, em diferentes frentes de trabalho, que paulatinamente possam ir melhorando a degradação ambiental desse ecossistema. Se os avanços prometidos pelo antigo Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) tivessem sido alcançados, o processo de recuperação estaria hoje numa terceira etapa, conforme imaginado naquela época, início da década de 1990. Passados 20 anos, estamos ainda na primeira fase, porém desta vez sob gestão da Secretaria Estadual do Ambiente (SEA), que tenta envolver as prefeituras do entorno, além da Cedae.

A meta do governo do estado de coletar e tratar 80% do esgoto residencial lançado in natura na Baía passou de 2016 para 2018. Perdemos o prazo das Olimpíadas que, no entanto, serviram para dar mais visibilidade a esse debate na sociedade, impulsionando o poder público e realimentando o sonho de termos uma Baía limpa. Mas os ambientalistas cobram soluções que ataquem a raiz dos problemas e questionam o caminho escolhido pelo governo fluminense, que suscita muita discussão e ainda carece de credibilidade. A sensação é de que o processo de recuperação da Baía está lento demais e de que as ações previstas serão insuficientes.

Ao todo, o Plano Guanabara Limpa  inclui 12 ações. Boa parte delas prevê a retirada de esgoto e lixo apenas do espelho d’água, sem atacar a raiz dos problemas, afirmam três especialistas ouvidos pelo Fórum Rio. Essa crítica é feita às Unidades de Tratamento de Rios (UTRs) e às ecobarreiras. Estão previstas seis UTRs e sete ecobarreiras (para saber mais, clique aqui). As duas intervenções não interrompem a entrada do esgoto in natura nem do lixo flutuante nos rios que formam a Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara; por conseguinte, também não melhoram a qualidade de vida das pessoas que moram no entorno dos cursos de água,  acima dos pontos onde essas intervenções serão instaladas.

Entretanto, há medidas mais assertivas em curso com a ampliação da rede de coleta e envio adequado para Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Nesse aspecto, a maior intervenção está ocorrendo em São Gonçalo, com recursos do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que já havia aplicado recursos no PDBG.

O problema é que caberá justamente às controvertidas UTRs a maior parte da ampliação prevista no sistema de tratamento. Atualmente, de acordo com a SEA, 50% do esgoto produzido nos 15 municípios do entorno da Baía de Guanabara já são tratados em ETEs. Até 2016, a meta é implantar rede de saneamento e tratar 60% do esgoto produzido no entorno da Baía em ETEs. Os 20% restantes para se alcançar a meta de tratar 80% serão alcançados através das UTRs. Por coincidência, as seis UTRs serão instaladas nos seis rios que, somados, são responsáveis por 80% do lançamento de esgoto in natura na Baía, segundo dados da própria SEA.

Gelson Serva, coordenador executivo do Psam, reconhece as dificuldades, mas garante que o conjunto de intervenções previstas trará consequências positivas fundamentais para a recuperação das condições ambientais da Baía. “Deve ficar claro e entendido pela sociedade fluminense que essa transformação da infraestrutura é necessariamente de longo prazo. Os Jogos Olímpicos tiveram um papel importante como ‘catalisadores’ para impulsionar muitos projetos, entre os quais alguns de saneamento básico. Entretanto, as dificuldades em alcançar as metas estabelecidas por ocasião da candidatura da cidade do Rio de Janeiro aos Jogos de 2016 não devem se transformar em descrédito e ceticismo, pois estamos avançando de forma inédita na reversão das condições precárias do saneamento, não obstante as enormes dificuldades, de ordem estrutural e institucional, que ainda temos pela frente. É preciso que a população cobre, seja esclarecida e participe intensamente”, esclarece ele.

 

UTR na berlinda

O Instituto Baía de Guanabara (IBG) é totalmente contrário às UTRs. “Vai tratar o rio inteiro na foz por um preço exorbitante, porque a UTR é muito cara, ela é pura química. Vai lançar no espelho d’água a água limpa adicionada de produtos químicos. Não temos uma noção exata do que isso vai acarretar para o ecossistema da Baía. Outra coisa é que a UTR não resolve o problema, que não está no espelho d’água e sim na bacia hidrográfica”, ressalta Adauri Souza, superintendente do IBG. Ele observa ainda que essas unidades mantêm os moradores que residem às margens dos rios expostas a doenças por causa do esgoto.

Também se posiciona contra o engenheiro sanitarista Adacto Benedito Ottoni, coordenador do programa de Pós-Graduação latu sensu em Engenharia Sanitária e Ambiental da Univerdade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e assessor de Meio Ambiente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ). “Tem tido um movimento tão contrário a essas UTRS, porque você gasta uma montanha de sulfato de alumínio e não resolve o problema. A Baía continua degradada. Tinha esperança de que o estado já tivesse desistido de UTR. É uma obra caríssima. Na UTR do Arroio Fundo, na Barra da Tijuca, só para implantar foram R$ 26 milhões, fora a operação, que equivale a um apartamento com produtos químicos, gasto de energia, oxigênio, mão de obra, mais de R$ 100 mil por mês de operação”, ressalta Adacto.

Os técnicos da SEA sabem que as UTRs são uma alternativa emergencial e que o planejamento de longo prazo terá de abarcar medidas de base. “A implantação de Unidades de Tratamento de Rio não substitui, em momento algum, a continuidade da implantação e ampliação dos sistemas de esgotamento sanitário com coleta, transporte, tratamento e destino final adequado”, afirma Antônio da Hora, subsecretário de Intervenções Especiais da SEA. Ele diz ainda que os investimentos em obras de saneamento estão sendo realizados simultaneamente à instalação das UTRs.

A SEA sustenta as UTRs, dizendo ser escolha técnica possível com o intuito de antecipar resultados. Mas Adacto observa que haveria outra solução emergencial muito mais barata para áreas densamente povoadas, que seria a chamada coleta de tempo seco, com a instalação de uma galeria na margem dos rios, de forma a evitar a entrada do esgoto no curso d’água. A instalação e operação desse sistema seriam de baixo custo, garante ele. Seria uma outra alternativa emergencial porque em época de chuva haveria entrada de esgoto no rio misturada com as águas pluviais.

A coleta de tempo seco, acrescenta o engenheiro, foi feita na Região dos Lagos, onde o serviço foi privatizado. “Melhora e é uma solução mais barata, ajuda a despoluir o rio, mas é emergencial, meta de curto prazo. Precisa ter meta de curto, de médio e de longo prazos para implantar o sistema separador absoluto. Sou totalmente contrário a UTRs, você melhora por um lado e piora na parte da biodiversidade”, alerta. Ele teme que, uma vez construídas, as UTRs fiquem ad eternum.

 

Ecobarreiras enxugam gelo

Sobre as ecobarreiras, Adauri e Adacto, mais uma vez, criticam o fato de as ações estarem voltadas para o espelho d’água da Baía, quando deveriam trazer um olhar sobre a bacia hidrográfica. Adacto diz que não chega a ser uma solução totalmente ineficaz, mas que boa parte do lixo acaba passando. Quando chove, nem pode ser usada, porque agrava uma inundação.

“Temos que implantar soluções para não deixar o lixo entrar. Ecobarreira tem eficácia muitíssimo pequena, retém o lixo que desce do rio, mas não resolve. É isso que fico preocupado, porque botam ecobarreira e não colocam outro programa emergencial muito mais importante nas comunidades da bacia hidrográfica, que é programa de educação ambiental com coleta e reciclagem de lixo, gerando renda. Coloca cooperativas, ecopontos, para que o lixo não vá para o rio”, afirma.

Adauri, por sua vez, diz que vamos enxugar gelo. “Não temos nada contra (os ecobarcos), mas consideramos que é enxugar gelo, se você não resolve o problema na origem”, afirma, lembrando que há cidades do entorno, como São Gonçalo, que sequer possuem coleta regular de lixo domiciliar.

“Se estivessem trabalhando para resolver efetivamente a questão da coleta de resíduos – não estou nem falando de coleta seletiva, hein, estou falando em coleta de lixo – as ecobarreiras seriam uma ação complementar, enquanto você não soluciona o problema. Só que não estamos trabalhando para isso. Estão enxugamos gelo. Vamos ter que torcer para que não caia um temporal na véspera das provas de vela. Se cair, não há barco que consiga conter esse resíduo”, pontua ele.

Carmen Lucariny, coordenadora do projeto Ecobarreiras, da SEA, diz que essa ação é a solução possível no momento. “A raiz do problema da Baía significa o mau uso do solo, a falta de planejamento urbano, a densidade demográfica; a falta de atendimento eficiente na coleta do lixo e de educação. O ideal é que o problema seja definitivamente resolvido. Ocorre que a Baía de Guanabara não pode esperar por essas soluções de base. Por esse motivo, as ecobarreiras são a solução possível”, explica.

Carmen compara os rios às ruas da cidade. “Se não jogassem lixo nas ruas, não seria necessário varrê-las, mas não se pode atacar a raiz do problema somente pedindo às pessoas para que não joguem nada no chão; e não varrer nem coletar o lixo, que é um dos serviços públicos mais onerosos nos sistemas de limpeza urbana. Nem por isso os serviços deixam de ser prestados. Os rios são vias, assim como as ruas”, pondera ela.

 Avanços importantes na gestão pública

Gelson Serva contextualiza as dificuldades enfrentadas pela SEA. Ele observa como principal avanço a informação sistematizada sobre a realidade dos sistemas de coleta e tratamento de esgotos sanitários, que está permitindo planejar e programar a elaboração dos projetos de engenharia sanitária. Importante pontuar que a SEA sequer tinha esse conhecimento sobre a realidade da Região Metropolitana na área de saneamento. Essa foi a primeira etapa a ser transposta, reflexo de como as ações eram geridas no passado.

“A disponibilização dessas informações, incluindo as dos Planos Municipais de Saneamento (elaborados com o apoio do Psam), é um elemento chave para conscientizar e dar instrumentos à população para participar e cobrar melhorias e transformações no setor de saneamento”, enfatiza Gelson. Quem quiser, poderá acessar as informações georreferenciadas sobre os diagnóstico e os planos municipais no site do PSAM.

Outro grande avanço destacado por Gelson é a formação da Camara Metropolitana, que integrará estado e municípios na gestão compartilhada das questões de infraestrutura urbana, “o que poderá ser um grande impulso para as soluções de saneamento, que dependem necessariamente de esforços conjuntos dos diversos níveis do poder público”.

Gelson defende o desenvolvimento de novos modelos institucionais, com parcerias do poder público com a iniciativa privada na prestação dos serviços à população, com qualidade e premência. “É fundamental desenvolver um bom sistema de regulação na prestação dos serviços de saneamento básico, não apenas quanto aos aspectos econômicos, tarifários e de ampliação da abrangência de cobertura dos serviços, como também quanto aos aspectos ambientais, que precisam de bons sistemas de controle”, acentua ele.

 

Pesca na Baía em extinção

Para o ambientalista Sergio Ricardo, que acompanha esse processo desde os anos 1980, o que precisa ser discutido é a concepção da Baía de Guanabara. “Estamos vivenciando hoje um processo de reindustrialização da Baía, com a refinaria do Comperj e uma série de obras complementares, gasodutos, oleodutos. Nesse momento estão sendo realizados nove pontos de dragagem na Baía, necessários a esses projetos industriais. O volume estimado de material dragado é de três a quatro Macaranãs de lama contaminada. Tenho até documento do Ministério Público comprovando isso. Está sendo jogado do lado de fora da Baía, mas está voltando. O nome técnico disso é bota fora da Baía”, conta.

Segundo ele, a dragagem é positiva, porém o correto seria fazer o encapsulamento da lama, como realizado em parte do material dragado no Canal do Fundão. Outra alternativa seria o lançamento em alto mar, só que, denuncia ele, está sendo jogado perto das Ilhas Cagarras.

Uma das fortes atuações de Sergio é em defesa da pesca na Baía, atividade que vem minguando há anos e agora sofre ainda mais em função da reindustrialização, que cria as chamadas áreas de exclusão de pesca. O pescador é proibido de se aproximar e perto do vão de entrada da Baía, há o “bota fora” de sedimentos, com a lama contaminada.

É um problema de concepção. Para a sociedade, é a Baía viva, do turismo, da pesca, do lazer, da praia. Mas para os governos e para o capital, a Baía é local para lançamento de esgoto e poluição industrial. Existe um conflito de concepções, essa é a questão de fundo”, frisa ele, para quem a recente descoberta de uma “superbactéria”, resistente à maioria dos antibióticos, mostra que a contaminação continua.

Sergio também critica as UTRs, acha que o governo não ataca a raiz dos problemas, mas se considera um eterno otimista. Atualmente, ele discute a implantação do Observatório Pesqueiro, em parceria com instituições como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Em geral, no mundo, há compensações da indústria do petróleo para os pescadores. Aqui não. Queremos repovoar a Baía. Há menos de 20 anos a Baía era o segundo maior produtor de pescado do Brasil; só perdíamos para Santa Catarina”, frisa.

Para efeito de comparação, conta ele, a indústria petroleira na Noruega cresceu muito e o país se manteve como um dos maiores produtores de pescado do mundo. Isso foi possível justamente porque houve investimentos em pescado, como compensação da indústria do petróleo. “Lá existe um fundo gerido com participação da sociedade, universidades e do poder público; mas é outro patamar de democracia”, observa.

 

Monitoramento das águas da Baía

No que diz respeito à qualidade das águas para fins de esporte e lazer, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), subordinado à SEA, tem feito monitoramento contínuo em cinco pontos próximos à entrada da Baía, para medir as condições em áreas de prova olímpica. A quantidade de coliformes fecais encontrada varia muito conforme o mês, indo de 18 a 35 mil por 100 ml. Com isso, a mediana acaba sendo favorável. Na altura da Marina da Glória, por exemplo, a mediana de 2014 ficou em 230, índice bastante aceitável, mas no dia 2 de setembro atingiu 19 mil.

“A variação na Marina da Glória se dá basicamente em função de chuvas, que aumenta o aporte sobre as saídas das galerias de águas pluviais no entorno. Com a construção da galeria de cintura no entorno da Marina (que esta em andamento, a cargo da Cedae), esta variação deve cessar”, explica Leonardo Daemon, técnico do Inea. Segundo ele, as coletas são feitas sempre na mesma condição de maré: quadratura vazante, que é o cenário mais crítico.

O engenheiro Adacto, por sua vez, acha que a qualidade da água pode estar ainda pior. Para ter certeza, ele gostaria de ter acesso aos boletins de análise de cada coleta e não apenas às médias mensais, divulgadas pelo Inea. Além disso, o engenheiro alerta que a poluição da Baía pode colocar em risco a balneabilidade das praias cariocas, porque esse esgoto vaza em direção ao mar. “Você nota que a qualidade das águas das praias de mar aberto, da zona sul, está ruim. Tinha que fazer um estudo para ver como se comporta o esgoto que sai da Baía, qual a influência desse esgoto para a área costeira da cidade. Precisa avaliar”, sugere. (A qualidade das águas é divulgada no site do Inea: www.inea.rj.gov.br. Veja aqui o de dezembro de 2014.

Importante lembrar que, mesmo após a conclusão das intervenções previstas, outras ações precisarão ser programadas, conforme Gelson Serva já vislumbra. “Além destas obras com recursos financeiros contemplados no empréstimo junto ao BID, estamos elaborando no Psam o planejamento de novos projetos de esgotamento sanitário, visando a universalização do sistema no entorno da Baía de Guanabara”, antecipa ele. Ou seja, haverá muito ainda a ser feito, após 2018. O saneamento da Baía é uma meta a ser perseguida sem descanso, se quisermos devolver a beleza e pujança de vida marinha a este cartão postal da região metropolitana do Rio.

 

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